Estamos vivendo um cenário de mudanças no Brasil, com previsão de aumento de investimento público em infraestrutura e a sinalização de retomada do protagonismo brasileiro no combate ao desmatamento na Amazônia. Neste contexto, é fundamental evitar que investimentos em infraestrutura na região impliquem aumento de desmatamento.
A Região Norte, que abriga a maior parte da Floresta Amazônica, é a mais isolada economicamente do País, apresenta a menor extensão de rodovias pavimentadas entre todas as regiões e os piores resultados em termos de qualidade dos trechos pavimentados. Projetos que visam a melhorar a conexão da região com mercados domésticos e internacionais e a atender a demandas locais podem trazer benefícios importantes, reduzindo os custos de produção, aumentando a mobilidade e o acesso a serviços básicos, e gerando crescimento econômico. Entretanto, para gerar pleno retorno para a sociedade, investimentos em infraestrutura devem fazer parte de uma estratégia de desenvolvimento nacional que leve em conta o futuro da Amazônia e a forma de utilização de seus recursos naturais, bem como uma boa governança dos investimentos públicos.
Um estudo recém-lançado pelo Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) apresenta um panorama inédito sobre o financiamento público e privado dos setores rodoviário e ferroviário na Região Norte e revela a evolução dos investimentos na região. Na última década, foram investidos R$ 30,6 bilhões em projetos de rodovias e ferrovias na Região Norte, o que corresponde a 17% dos R$ 179,7 bilhões investidos nesses setores no País. O governo federal direcionou 2/3 do valor mapeado. Pela relevância desse ator, o novo governo tem a oportunidade de adotar medidas concretas para reduzir riscos de execução dos projetos e melhorar a qualidade da infraestrutura terrestre na Amazônia, mobilizando recursos para a região.
Aprimoramentos regulatórios e institucionais são necessários para estabelecer melhorias no processo decisório da administração pública. Antecipar a análise ambiental para uma fase anterior ao licenciamento ambiental, adotar uma avaliação mais criteriosa dos impactos socioambientais dos projetos e aumentar a transparência – calculada em apenas 43% para as concessões federais de transporte terrestre na Amazônia – são medidas imprescindíveis para uma governança mais robusta, que evitarão desperdício de recursos públicos ligado à paralisação de obras. Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2019 revelou que 25% das obras administradas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estavam paralisadas e recomendou a otimização do uso dos recursos públicos federais.
A agenda Ambiental, Social e de Governança (ASG), que vem avançando no País, não será capaz de promover esses aprimoramentos. Isso porque ela não se aplica ao governo federal, mas a corporações (companhias abertas) e instituições financeiras para divulgação aos investidores das estratégias corporativas, nem tampouco é aplicada à implementação dos projetos de infraestrutura. Portanto, cabe ao governo tomar as medidas necessárias para reduzir riscos de execução dos projetos e melhorar a qualidade da infraestrutura terrestre na Amazônia, mobilizando, assim, recursos para a região.
Um outro achado do estudo desenvolvido pelo CPI/PUC-Rio é que os recursos do orçamento público destinados à Região Norte mantiveram-se constantes na última década, em oposição à queda de 53% observada no restante do País. Esses recursos foram destinados quase exclusivamente ao setor rodoviário, que recebeu 99% dos R$ 9 bilhões mapeados. Cerca de 80% (R$ 7,1 bilhões) foram aplicados na manutenção e na operação de trechos rodoviários, um valor claramente insuficiente. A Confederação Nacional do Transporte estima que apenas para recuperar a malha rodoviária da Região Norte com ações emergenciais de restauração e reconstrução seriam necessários R$ 9,44 bilhões, valor equivalente ao desembolsado por meio do orçamento público para rodovias na última década. Dificilmente o setor privado terá interesse em operar a maior parte das rodovias da região, o que confere ao setor público um papel de destaque e ressalta a necessidade de transparência na aplicação dos recursos para que, assim, haja efetiva fiscalização.
O estudo mostra, ainda, que o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi alocado majoritariamente para o setor ferroviário, que atraiu 96% (R$ 11,5 bilhões) dos recursos. O fato de um único projeto – a Estrada de Ferro Carajás – ter atraído 82% (R$ 9,8 bilhões) dos recursos direcionados pelo BNDES para a região na última década também indica a necessidade de adoção de critérios claros de priorização para alocação de recursos públicos, transparência na aplicação e avaliação do resultado dos investimentos.
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DOUTORA EM ANÁLISE E GOVERNANÇA DO CLIMA, É DIRETORA ASSOCIADA DO PROGRAMA DE DIREITO E GOVERNANÇA DO CLIMA E DO PROGRAMA DE FINANCIAMENTO CLIMÁTICO DO CPI/PUC-RIO