O Direito Internacional Humanitário (DIH) foi-se constituindo ao longo dos séculos, até se corporificar em convenções internacionais que governam a conduta na guerra (jus in bello), objetivando, entre outros fins, limitar os possíveis efeitos deletérios aos civis e aos bens.
É fato que o Hamas obriga civis a permanecer, como escudos humanos, em locais de importância estratégica para fins militares. A proteção dos hospitais, por exemplo, deve ser ininterrupta (IV Conv., art. 19), a menos que utilizados fora de seu dever humanitário, visando a atingir o inimigo, cessando a imunidade caso desrespeitados alertas com tempo razoável para evacuação (IV CG, art. 28).
Subjazem ao DIH três princípios fundamentais: os da distinção, o da precaução e o da proporcionalidade. O da distinção refere-se ao dever das partes de diferençar entre civis e beligerantes e entre objetos civis e alvos militares. O da precaução, ao dever do atacante de verificar se o alvo não é civil nem objeto de proteção especial, e de tomar as medidas possíveis a fim de evitar ou, ao menos, minimizar perdas de vidas civis e danos a objetos civis.
Quanto à proporcionalidade, não existe fórmula exata do que, militarmente, seja considerado proporcional. Adota-se, portanto, o standard do “comandante militar razoável”. No tocante às forças israelenses, além de obrigadas a respeitar um código de ética, os comandantes, responsáveis que são pelos atos dos subordinados, assumem responsabilidade penal e disciplinar, conforme o caso, se souberem ou receberem informações que lhes permitam concluir, nas circunstâncias do momento, que algum deles cometeu ou estaria para cometer infração, e deixarem de tomar medidas eficazes, dentro do seu poder, a fim de preveni-la ou reprimi-la.
Independentemente disso, o DIH proíbe, mesmo em face de um alvo a ser licitamente alvejado, que o ataque ocorra caso o dano colateral a civis ou objetos civis venha a ser excessivo em relação à sua vantagem militar. Estatui a lei, também, que a decisão sobre proporcionalidade deve ser tomada mais com base nas informações disponíveis ao comandante no momento da decisão, devendo ser levada em conta a incerteza inerente à guerra (a qual cresce em casos de operações terrestres), do que de acordo com o resultado verificado. Registre-se, contudo, que os danos a civis, por si sós, não tornam o ataque ilegal, no caso de a vantagem militar ser relevante, de modo que, uma vez alcançada, o dano deverá ser considerado proporcional.
Apesar da análise jurídica acima, grande número de casualidades a civis é criticado e dificilmente aceito, sob o enfoque da legitimidade, sob os seguintes argumentos: primeiro, com base na errônea assunção de que, no caso de terem sido atingidos civis, a ofensa sempre terá sido intencional e desproporcional; segundo, diante da recusa de aceitação do princípio de que pode haver justificativa em relação aos danos a civis quando o alvo militar é legítimo; terceiro, com apoio em opinião baseada no resultado da ação; e quarto, ante a rejeição da justificativa de que o dano não foi desejado ou foi resultado de erro. No caso de Israel, a alta capacidade tecnológica de seu exército cria a ilusão de onisciência e infalibilidade, de modo que alguns críticos costumam considerar intencional todo e qualquer resultado, o que não corresponde à realidade.
O Hamas é perito em armadilhas que resultam em contingências aos civis, modus operandi esse que cria sérias dificuldades às forças israelenses. Cumpre dizer, porém, que, sob o aspecto jurídico, não há imunidade a edifícios e outros locais em áreas civis, desde que os alvos sejam militarmente relevantes e os civis não tenham obedecido aos alertas dados.
Até prova em contrário, Israel tem respeitado as leis do DIH, mesmo porque, além do princípio judaico de proteção à vida, e do respeito à moralidade e à ética, os comandantes, responsáveis pelos atos dos subordinados, precisariam ser insanos para correr o risco de sujeitarem-se a penalidades criminais e disciplinares previstas no direito doméstico e no DIH; e, se Israel não pode abdicar da defesa contra quem o atacou cruelmente e pretende destruí-lo, segue-se que, para evitar maiores perdas civis, o Hamas, que presumivelmente defende os palestinos, mas que, na verdade, pouco ou nada liga para eles, tem de escolher entre as seguintes alternativas: 1) rendição com libertação de todos os reféns; ou 2a) libertação de todos os reféns, sem mais uso de locais em princípio imunes, e liberação dos escudos humanos; 2b) coordenação da distribuição dos víveres aos civis, impedindo a repetição dos lamentáveis fatos do dia 28 de fevereiro, quando multidão de famintos cercou os caminhões, constando que mais de cem pessoas morreram atropeladas e pisoteadas, em meio ao caos instalado, cujas causas ainda pendem de investigação.
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ADVOGADO, É DOUTOR E MESTRE EM DIREITO PELA USP