Atualmente, encontra-se em andamento no Congresso Nacional um projeto para reformar o Código Eleitoral. Um dos principais pontos da referida proposta sugere a alteração da Lei da Ficha Limpa, diminuindo o tempo de inelegibilidade dos atingidos pela lei, o que representa um retrocesso e um severo ataque aos projetos de iniciativa popular. Temos que considerar que mais de 1,6 milhão de eleitores assinaram o projeto que foi transformado em lei, sem falar no apoio da população, que foi ainda maior.
A Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010 sob a iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), afastou aqueles candidatos e candidatas com condenações relacionadas à vida pública que poderiam afetar a representação política. A inelegibilidade já existia, porém era normalmente fixada em três anos, o que permitia que condenados por improbidade, por exemplo, pudessem ser candidatos na eleição seguinte, tornando a punição sem efeito. A propósito, a Lei da Ficha Limpa foi idealizada exatamente por essa ineficácia das sanções.
O projeto da Lei da Ficha Limpa foi amplamente debatido na sociedade e até no Supremo Tribunal Federal (STF), sob o aspecto da exigência constitucional que diz que “lei complementar disciplinaria sobre os casos de inelegibilidades e os prazos, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”.
A Lei da Ficha Limpa correu riscos de sofrer alterações significativas que poderiam enfraquecer esse instrumento. Mas, a partir de mobilizações da sociedade civil, a lei permanece tendo potencial de preservar a segurança jurídica e fortalecer a seguridade do processo eleitoral. E é papel da sociedade civil e das empresas exigir que se faça cumprir a lei de forma legítima e responsável.
Em 4 de junho de 2024, completaram-se 14 anos desde a sanção da lei. Sua eficácia e efetividade estão amplamente comprovadas, tendo a lei sido aplicada em milhares de casos, desde vereadores até presidente da República, sempre baseando-se na condenação efetiva dos candidatos, com farta jurisprudência.
Na verdade, o debate foi muito mais amplo e chegou até outras esferas, sendo exigida a “ficha limpa” até mesmo em eleições de condomínios, clubes e em nomeação de cargos de confiança na administração pública. Os próprios candidatos utilizam o slogan de que são candidatos ficha limpa para granjear votos.
Apesar do rigor imposto ao candidato ou candidata, muitos eleitores comentam que a lei deveria ser ainda mais rigorosa e afastar definitivamente aqueles que cometem ilegalidades e ainda não se tornaram inelegíveis por não terem condenações em grau colegiado. Aliás, esse é o filtro para o afastamento, as condenações em grau colegiado.
Veja como o filtro é importante: a lei afasta aqueles que insistem em desrespeitar as leis e cometer crimes e improbidades, abusando da influência e do poder político e econômico, também citados na Constituição para determinar a necessidade da lei. Muitas consultas sobre a lei, de cidadãos e organizações da sociedade civil de outros países, foram feitas para apoiar mobilizações e pleitear uma legislação semelhante, tendo como exemplo a eficácia da lei brasileira.
Nesse contexto, a decisão do julgamento do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump demonstra a necessidade de aplicação de uma lei semelhante, pois Trump acaba de ser condenado em uma ação com sentença proferida por um colegiado composto por jurados, porém o país não dispõe de uma lei que o afaste do processo eleitoral. O ex-presidente foi condenado por motivos graves e ainda responde por outros processos, sendo um dos mais graves a acusação de ter conspirado para os atentados realizados contra a democracia americana na invasão do Capitólio. Ou seja, mesmo diante de uma grande diferença econômica e estrutural entre Brasil e Estados Unidos, a Lei da Ficha Limpa é um bom exemplo brasileiro que os americanos deveriam seguir.
*
SÃO, RESPECTIVAMENTE, ADVOGADO, DIRETOR DO MOVIMENTO DE COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITORAL (MCCE); E DIRETOR-PRESIDENTE DO INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL, CONSELHEIRO DO CDESS (CONSELHÃO)