O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão há muito aguardada, ao reconhecer a existência de omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a licença-paternidade. Com a decisão, os parlamentares terão o prazo de 18 meses para promover tal regulamentação, sob pena de o próprio STF definir os limites do período de licença.
O primeiro argumento do Supremo para essa decisão consistiu no fato de o Congresso ter se omitido por mais de 35 anos a respeito do tema, pois, apesar de o direito à licença-paternidade estar previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), criado com a Constituição federal de 1988, o Congresso nunca se movimentou para tal regulamentação.
Somado a este aspecto, o STF também abordou que a licença-paternidade, no Brasil, não segue a tendência mundial nos cuidados com o recém-nascido, tampouco garante a igualdade de gênero entre homens e mulheres, sobretudo quando verificadas as mudanças estruturais ocorridas nas últimas décadas, marcadas por maior protagonismo no mercado de trabalho às mulheres. A bem da verdade, a licença-paternidade de apenas cinco dias contribui, no entendimento do STF, com a manutenção de um ideal patriarcal.
A própria Constituição, quando prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, prevendo como dever de ambos a proteção da infância e da família, além da garantia de uma paternidade responsável, já tem bases claras para tratar de forma mais igual as mães e os pais, propondo a necessidade de ambos disporem de tempo condizente com a necessidade dos filhos na primeira infância, além de permitir maior divisão de responsabilidades.
Independentemente de definição nos próximos meses ou anos, a principal tendência global relativa ao tema consiste na crescente introdução de uma licença-parental, em detrimento das tradicionais licenças-maternidade e paternidade. De modo geral, a licença parental traz enraizada consigo a ideia de responsabilidade mútua, muito mais alinhada ao atual contexto social e humanitário.
Na Suécia, por exemplo, há garantia de uma licença-parental de 480 dias que pode ser utilizada pelos pais da forma que preferirem. Neste caso, são 30 dias garantidos de forma conjunta e simultânea. Além disso, é obrigatório que o pai e a mãe gozem de 90 dias de licença cada um e o restante fica a critério do casal. Do total de 480 dias, 390 são pagos com base em 80% do salário recebido.
Portugal e Austrália também introduziram uma licença-parental nos respectivos territórios. O primeiro manteve a existência de uma licença-paternidade, que foi ampliada em 2023 para 28 dias obrigatórios, com o recebimento da média salarial dos seis meses anteriores ao início da licença. Já os australianos são agraciados com uma licença-parental de 20 semanas, com pelo menos duas semanas reservadas ao pai, período este que será aumentado em 2026, quando o pai poderá desfrutar de duas semanas adicionais num esquema use it or lose it.
França, Bélgica, Croácia e Eslovênia ainda se estruturam no modelo de licença-paternidade. A França garante uma licença paga de 28 dias. Quatro dias devem ser gozados imediatamente após o nascimento e os demais podem ser flexibilizados em períodos de, no mínimo, cinco dias. Na Bélgica, a licença-paternidade é de 20 dias, e o trabalhador recebe os três primeiros dias do empregador e os demais, do governo, que paga 82% do valor referente ao salário no período. Croácia e Eslovênia, por sua vez, têm licenças pagas pelo Estado, correspondentes a 15 e a 30 dias, respectivamente.
Também vale mencionar a Espanha, que em 2021 se tornou o primeiro país do mundo em que ambos os genitores têm direito ao mesmo período de licença no nascimento do filho, correspondente a 16 semanas remuneradas.
Na África, o Marrocos aprovou em 2022 a duração da licença-paternidade local de 3 dias para 15 dias. Os Estados Unidos, por sua vez, não têm um modelo de licença-paternidade paga em nível nacional, que garante apenas uma licença de 12 semanas não pagas. Para incentivar a criação dos filhos pelos pais, alguns Estados, como Nova York, contam com regramento próprio, que garante até 12 semanas de licença paga, com a percepção de 67% da média dos vencimentos.
A licença-paternidade japonesa depende das previsões individuais dos contratos de trabalho, mas, em geral, pode corresponder a até oito semanas, que podem ser expandidas para outras oito semanas em razão da childcare leave, uma espécie de licença para a criação do filho.
No Brasil, espera-se que a definição leve em consideração as tendências mundiais, pois elas trazem indicativos relevantes a respeito de uma formatação mais próxima do ideal em relação à licença-paternidade. Ainda que o Programa Empresa Cidadã atualmente permita a sua extensão para 20 dias, esse período não é suficiente para promover efetivo balanceamento nas relações familiares, tampouco para tentar amenizar a discrepância e o desequilíbrio na carga mental imposta às mães no nascimento de seus filhos, um momento que é de grande transformação em todos os aspectos, inclusive hormonais e emocionais.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, COUNSEL E ADVOGADO DA PRÁTICA TRABALHISTA DO LEFOSSE