O Uruguai, que já permitia o consumo da maconha, legalizou a produção e a venda da droga. Em entrevista à revista Veja, o presidente Tabaré Vázquez, de 76 anos, que ocupa o cargo pela segunda vez, falou a respeito da política de drogas de seu país.
“Estamos implementando a lei aos poucos. Não é como colocar um produto qualquer no mercado (...). Quando se começou a combater o tabagismo porque estava demonstrado que o hábito provocava problemas cardiovasculares e câncer, as empresas lançaram o cigarro light. Depois, o ultralight. Mas isso não importa. Todos eles causam danos ao organismo. Maconha é maconha. Seu princípio ativo é a Cannabis. Essa substância produz efeitos que podem ser usados pelos médicos em benefício do paciente, mas também gera consequências deletérias ao corpo humano. Por mais que se tenha obtido uma maconha geneticamente pura, isso não significa que os efeitos nocivos foram extraídos e só ficaram os positivos.”
Indagado se acredita que a regulação da maconha vá reduzir o narcotráfico e a criminalidade, Vázquez deixou claro que estão caminhando em terreno desconhecido e incerto: “É muito cedo para tirar conclusões desse tipo. Teremos de esperar um tempo maior. Só então veremos o que aconteceu”. É uma aventura. Pode custar muitas vidas.
O atual presidente herdou do antecessor, José Mujica – que pertence à mesma coligação de esquerda, a Frente Ampla –, a lei que regulariza a produção, a venda e o consumo de maconha. Nas entrelinhas da entrevista, e em vários momentos, Tabaré Vázquez teve a honestidade de reconhecer que as coisas não são tão simples como apregoam os defensores da liberação das drogas.
Na verdade, os defensores da regulação, lá e aqui, armados de uma ingenuidade cortante, acreditam que a descriminalização reduzirá a ação dos traficantes. Mas ocultam uma premissa essencial no terrível silogismo da dependência química: a compulsividade. O usuário, por óbvio, não ficará no limite legal. Sempre vai querer mais. É assim que a coisa acontece na vida real. O tráfico, infelizmente, não vai desaparecer.
A psiquiatra mexicana Nora Volkow é uma referência na pesquisa da dependência química no mundo. Foi quem primeiro usou a tomografia para comprovar as consequências do uso de drogas no cérebro. Desde 2003 na direção do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas, nos Estados Unidos, Nora Volkow é uma voz respeitada. No momento em que recrudesce a campanha para a descriminalização das drogas, suas palavras são uma forte estocada nos argumentos politicamente corretos.
A cientista foi entrevistada também pela revista Veja, faz alguns anos. O semanário trouxe à baila um crime que chocou a sociedade. O cartunista Glauco Villas Boas e seu filho foram mortos por um jovem com sintomas de esquizofrenia e que usava constantemente maconha e dimetiltriptamina (DMT), na forma de um chá conhecido como Santo Daime.
“Que efeito essas drogas têm sobre um cérebro esquizofrênico?” A resposta foi clara e direta: “Portadores de esquizofrenia têm propensão à paranoia e tanto a maconha quanto a DMT (presente no chá do Santo Daime) agravam esse sintoma, além de aumentarem a profundidade e a frequência das alucinações. Drogas que produzem psicoses por si próprias, como metanfetamina, maconha e LSD, podem piorar a doença mental de uma forma abrupta e veloz”. De lá para cá nada mudou.
Quer dizer, a descriminalização das drogas facilitaria o consumo das substâncias. Aplainado o caminho de acesso às drogas, os portadores de esquizofrenia teriam, em princípio, maior probabilidade de surtar e, consequentemente, de praticar crimes e ações antissociais.
Ao que tudo indica, foi o que aconteceu com o jovem assassino do cartunista. Essa suposição, muito razoável, é um tiro de morte no discurso da ingenuidade.
Além disso, a maconha, droga glamourizada pelos defensores da descriminalização, é frequentemente a porta de entrada para outras drogas. “Há quem veja a maconha como um droga inofensiva”, diz Nora Volkow. “Trata-se de um erro. Comprovadamente, a maconha tem efeitos bastante danosos. Ela pode bloquear receptores neurais muito importantes”, sublinha.
Pode, efetivamente, causar ansiedade, perda de memória, depressão e surtos psicóticos. Não dá para entender, portanto, o recorrente empenho de descriminalização.
Também não serve o falso argumento de que é preciso evitar a punição do usuário. Nenhum juiz, hoje em dia, determina a prisão de um jovem por usar maconha. A prisão, quando é feita, está ligada à prática de delitos que derivam da dependência química: roubo, furto, tráfico, etc. Na maioria dos casos, acertadamente, o que há é a aplicação de penas alternativas, tais como prestação de serviços à comunidade e eventuais multas, no caso de réu primário.
Caso adotássemos os princípios defendidos pelos lobistas da liberação, o Brasil estaria entrando, com o costumeiro atraso, na canoa furada da experiência europeia. Todos, menos os ingênuos, sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não existe meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante, mas que muito cedo se transforma em dependente crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto. Um cigarro da “inofensiva” maconha preconizada pelos arautos da liberação pode ser o passaporte para uma overdose de cocaína. Não estou falando de teorias, mas da realidade cotidiana e dramática de muitos dependentes.
As drogas estão matando a juventude. A dependência química não admite discursos ingênuos, mas ações firmes e investimentos na prevenção e recuperação de dependentes.
*Jornalista - e-mail: difranco@iics.org.br