Opinião | Margem Equatorial e transição energética

Independentemente do banimento das explorações, já está ocorrendo a redução gradativa da demanda por petróleo

Por José Mauro de Morais

Cada vez mais o mundo reconhece a urgência da adoção de ações continuadas para a redução das emissões poluentes, como o gás carbônico e o gás metano. Os gases de efeito estufa, gerados principalmente pela queima de combustíveis fósseis, elevam a temperatura do planeta e, em consequência, a frequência de eventos climáticos extremos.

Nesse contexto, ganharam repercussão as dificuldades da Petrobras em obter do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) licença para perfurar um poço exploratório na bacia da foz do Amazonas, a 170 km da costa do Amapá, na Margem Equatorial. As análises finais vêm sendo desenvolvidas com cautela pelo órgão ambiental, após recusar duas vezes a aprovação da licença, em razão de receios de vazamentos de óleo na perfuração e de impactos nos manguezais da região, além da necessidade de a Petrobras comprovar agilidade no atendimento à fauna eventualmente atingida.

Por outro lado, as dificuldades na obtenção da licença têm reforçado a posição dos que defendem a proibição do aumento das explorações de petróleo em novas áreas, como medida para diminuir a produção futura e, em consequência, forçar a diminuição do consumo de derivados de petróleo.

Admitindo-se que a Petrobras possa fornecer ao órgão ambiental garantias de procedimentos e de mobilização rápida exigidos para mitigar impactos de eventuais vazamentos de petróleo, há duas realidades a serem consideradas nos mercados de energia que podem contribuir para a aceitação das explorações na Margem Equatorial, com base ainda no entendimento das relações entre a demanda por petróleo e o processo de transição energética.

Em primeiro lugar, os registros do consumo de energia no mundo indicam que, nos países desenvolvidos, já está ocorrendo redução da demanda por combustíveis fósseis, incluindo o carvão, como resultado do maior engajamento desses países no processo de transição para uma economia de baixo carbono, decorrente da preocupação com o aumento dos fenômenos climáticos intensos. Nos últimos dez anos, o consumo de combustíveis fósseis foi reduzido em 10% nesses países, mas aumentou, em média, 25% nos países em desenvolvimento, diante das necessidades de energia que acompanham o crescimento populacional nesses países (International Energy Agency – IEA). Não é o caso do Brasil, onde a participação das renováveis na oferta total de energia elevou-se de 41%, em 2013, para 49,1%, em 2023, com redução da participação dos derivados de petróleo e do carvão. No mundo, a redução do consumo de combustíveis fósseis foi viabilizada por investimentos maciços em transição energética, que saltaram de US$ 565 bilhões, em 2019, para US$ 1,8 trilhão em 2023, valor 80% acima dos investimentos mundiais em energias fósseis, de pouco mais de US$ 1 trilhão. Os investimentos em energia limpa estão, contudo, concentrados nos países desenvolvidos e na China; as demais nações investiram apenas 18% do total (BloombergNEF).

Estimulada, portanto, pelos países em desenvolvimento, a demanda mundial por petróleo continuará crescendo, mas a um ritmo menor do que nos últimos anos, e começará a cair a partir do final desta década, como resultado do aumento da oferta de etanol e biodiesel e da intensificação do uso de veículos elétricos e híbridos. A demanda mundial por petróleo cairá dos atuais 103 milhões de barris/dia para 60 milhões a 80 milhões de barris/dia por volta de 2035 (níveis ainda elevados), e para cerca de 20 milhões a 50 milhões de barris/dia, em 2050, a depender de maiores ou menores compromissos dos países com a meta de alcançar emissões líquidas zero até meados do século (IEA).

Os dados mostram, portanto, que, independentemente do banimento das explorações, já estão ocorrendo a redução gradativa da demanda por petróleo e a aceleração dos investimentos em energias renováveis, processo que caracteriza a transição energética.

O segundo fator deriva da concepção, já comentada, de que se o Brasil produzir menos petróleo também reduzirá o consumo e exportará menos, contribuindo para diminuir as emissões de gases poluentes no planeta. Mas, em razão da alta dependência do petróleo, nenhum país tem o poder, isoladamente, de resolver uma questão mundial, isto é, os volumes globais de consumo de petróleo. Se apenas um país decidir reduzir suas explorações e a produção, outros países aumentarão a produção para compensar a queda na oferta e aumentar suas exportações, resultando em perdas de emprego, de renda e de impostos sobre o petróleo no país desistente.

O cenário é, portanto, de queda na demanda por petróleo. Contudo, os níveis de consumo ainda elevados, nesta década e na próxima, indicam a possibilidade de continuidade dos eventos climáticos extremos, mostrando a urgência de os países se comprometerem em acelerar a redução do consumo de derivados de petróleo e do carvão. O compromisso pode ser viabilizado, em parte, pelo aumento de transferências financeiras dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, destinadas ao enfrentamento das mudanças climáticas. Esse será um dos pontos que dominarão os debates na COP-30, em Belém do Pará, em novembro deste ano.

Opinião por José Mauro de Morais

Autor do livro ‘Petróleo em Águas Profundas – Uma História da Evolução Tecnológica da Petrobras na Exploração e Produção no Mar’ (Ipea, 2023, segunda edição), foi coordenador no Ipea, com estudos e pesquisas em energias renováveis e petróleo (2013-2019)