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Opinião | Melhoria regulatória como estratégia para reduzir custos no Brasil

O tema é de interesse de todos, já que não há um único cidadão no País que não seja afetado por atividades regulatórias

Por Natasha Salinas e Flávio Saab

O custo da regulação no Brasil, segundo pesquisa recém-divulgada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), alcançou 4,1% da receita líquida do setor industrial. Em 2023, as indústrias destinaram cerca de R$ 243 bilhões ao atendimento de exigências regulatórias, o que coloca o Brasil na quinta posição mundial entre os países com maior custo regulatório.

Embora esses números não sejam nada animadores, há luz no fim do túnel quando se examina o conjunto de ações e soluções propostas pela Secretaria de Competitividade e Política Regulatória (SCPR) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) para enfrentar esse problema. Para a SCPR, a saída para diminuir o custo da regulação no Brasil dependerá da construção de uma efetiva política de melhoria regulatória.

Um dos pilares da política de melhoria regulatória é a simplificação normativa, entendida como um conjunto de ações que se iniciam pela revogação de normas obsoletas, passam pela consolidação de regulações esparsas e terminam na sistematização e disponibilização, em portal único, de fácil acesso e compreensão, do conjunto de normas que compõem o estoque regulatório do País. Avanços significativos já foram feitos, pelos próprios entes reguladores, na revisão e redução regulatória, mas o recente anúncio da intenção da SCPR de disponibilizar em portal único todas as normas em vigor de forma gratuita e acessível para toda a população diminuirá os custos de conformidade que hoje derivam da falta de clareza sobre o estoque regulatório vigente.

A melhoria regulatória também se estrutura no planejamento da atividade regulatória. Por meio da construção, de modo participativo e transparente, de agendas regulatórias, entes reguladores devem comunicar, com a devida antecedência, as normas que pretendem regular, conferindo um cenário de previsibilidade e segurança às partes diretamente afetadas pela regulação.

Há espaço para avanços nessa seara, já que a realização de agendas regulatórias, na prática, está predominantemente concentrada em agências reguladoras independentes, com pouca aplicação nos demais entes reguladores. Um outro problema, identificado por pesquisa em andamento do projeto Regulação em Números, da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, é que, na prática de produção de agendas regulatórias, agências editam com muita frequência normas que não estão previstas em suas agendas, enfraquecendo, assim, seu potencial para garantir previsibilidade regulatória.

A participação social é outra ferramenta de melhoria regulatória essencial para garantir que as demandas das partes diretamente afetadas pela regulação sejam não só ouvidas, mas efetivamente incorporadas ao conteúdo da regulação. Há muito o que evoluir nessa seara. Há um grau de informalidade excessivo na participação social que ocorre no início dos processos regulatórios, sem regras claras para convite dos atores que participarão das mesas de negociação. Já nas consultas e audiências públicas realizadas em estágios mais avançados dos processos regulatórios, há baixo engajamento das partes afetadas, que ou não participam desses fóruns deliberativos, ou oferecem sugestões que, por conta da baixa qualidade técnica, são contundentemente ignoradas pelas agências.

O instrumento mais festejado e menos compreendido de uma política de melhoria regulatória é a análise de impacto regulatório – a AIR –, que visa a imprimir maior racionalidade à tomada de decisão de regular ou, como seria esperado em alguns casos, de não regular. Em 2022, o Ministério da Economia promoveu a redução de tarifas de importação de insumos da cadeia de petroquímicos. A mudança foi realizada sem consulta prévia a representantes da indústria desse segmento e sem a publicação prévia da nota técnica de justificativa. Tendo em vista a importância e magnitude desse setor de base da economia, pode-se supor que a decisão ministerial se beneficiaria de uma análise mais cuidadosa e transparente dos impactos que a medida produziria sobre a indústria nacional.

Casos como esse, frequentes, nos revelam que a AIR, se bem utilizada, pode prevenir medidas regulatórias ineficientes e altamente impactantes para o setor produtivo. Nessas situações, a AIR pode ser uma ferramenta aliada do setor produtivo ao promover decisões racionais e lastreadas em evidências.

No entanto, estudo que vem sendo realizado pelo projeto Regulação em Números, da FGV Direito Rio indica que para que a AIR cumpra o seu papel, maior qualidade deve ser conferida às análises. Dados coletados pelos pesquisadores mostram que as agências, ao realizarem AIR, não comparam, como deveriam, alternativas regulatórias e, quando o fazem, não se baseiam em métodos econômicos que apuram custos e benefícios. Notícias recentes indicam que a SCPR instrumentalizará, em breve, os reguladores nacionais com nova ferramenta para apuração de custos. Trata-se de uma ótima notícia, que sugere a priorização de uma agenda de sensibilização e treinamento de servidores públicos, o que é necessário para fortalecimento da AIR no País.

Se por um lado os custos regulatórios sobrecarregam os setores produtivos ao comprometer parte significativa de suas receitas, por outro, não é possível abrir mão da atividade regulatória, fundamental para melhorar a saúde pública, a segurança, a infraestrutura, o meio ambiente e promover o crescimento e desenvolvimento do Brasil. Nesse contexto, o fortalecimento da melhoria regulatória apresenta-se como o caminho mais indicado para qualificar o ambiente regulatório brasileiro. Para que os resultados almejados sejam alcançados é fundamental a participação de atores governamentais, organismos internacionais, setores produtivos e academia. O tema é de interesse de todos, já que não há um único cidadão no País que não seja afetado por atividades regulatórias.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA PESQUISADORA E COORDENADOR CIENTÍFICA DO PROJETO REGULAÇÃO EM NÚMEROS; E PESQUISADOR DE PÓS-DOUTORADO DA FGV DIREITO RIO

Opinião por Natasha Salinas

Professora pesquisadora e coordenador científica do projeto Regulação em Números da FGV Direito Rio

Flávio Saab

Pesquisador de pós-doutorado da FGV Direito Rio