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Opinião | ‘Net zero’: o disfarce da vez para a inação na mitigação da crise climática

Expressão coloca em países do Sul Global a responsabilidade de atender às demandas por compensação de emissões do Norte Global e de corporações transnacionais

Por Maureen Santos

A COP-28 precisou de um dia a mais em Dubai para chegar ao fim, sem conseguir estabelecer compromissos objetivos ou fontes de financiamento para que o mundo deixe de usar combustíveis fósseis. O documento final reconhece, no entanto, que petróleo, gás natural e carvão precisam ocupar o centro do debate sobre a emergência climática, o que foi considerado por muitos como um avanço para atingir a meta de zero emissões líquidas até 2050. Em paralelo, energia como a nuclear também entrou no páreo das consideradas “energias limpas” aptas à transição energética.

Acostumamos a ler e ouvir a expressão “zero emissões líquidas” (ou “net zero”, em inglês) nos discursos e propostas nacionais e internacionais de redução das emissões dos gases de efeito estufa para o enfrentamento das mudanças climáticas, mas, assim como o texto final da COP-28, ela se mostra pouco objetiva e precisa ser entendida com maior clareza.

Será que “zero emissões líquidas” é mesmo o equivalente a “zero emissões reais” ou apenas um termo midiático, moldado para disfarçar a inação de corporações e de políticas ineficazes, que não alcançam resultados efetivos?

O estudo Mudar para que Nada Mude: Zero Emissões Líquidas Não É Zero!, lançado em novembro de 2023 pela organização não governamental Fase – Solidariedade e Educação, se propõe a ampliar o debate público sobre a questão no momento em que o mundo precisa mais do que nunca de ações concretas e de coragem para mudar.

O net zero surge no cenário como uma salvação para o aquecimento global, sendo que, na verdade, desvia o foco dos compromissos reais que precisam ser adotados e coloca os países do Sul Global novamente com a responsabilidade de atender às demandas por compensação de emissões dos países do Norte e das corporações transnacionais.

Compensar emissões não é o mesmo que remover o carbono, diferença que nem sempre é evidente para todos os atores sociais. Enquanto a remoção se dá por mecanismos tecnológicos e práticas de retirada do gás carbônico da atmosfera, a compensação acontece por meio de esquemas financeiros através dos quais indivíduos, empresas e governos apoiam projetos ambientais para equilibrar as próprias emissões. Na realidade, os dois modelos buscam equiparar emissões provenientes de processos naturais ou industriais completamente diferentes, invertendo a lógica do princípio do poluidor-pagador para pagador-poluidor, no intuito de não reduzi-la diretamente.

Uma das principais formas de remoção é por meio das florestas. O problema é que, de acordo com relatório publicado em 2021 pela ActionAid Internacional, não há terra suficiente no mundo que possa ser destinada ao plantio de todas as florestas necessárias para a compensação das emissões prometidas por empresas, corporações e governos.

O levantamento afirma que a capacidade de reabsorção do carbono atmosférico pelas florestas está superestimada e que não há árvores suficientes para fazer toda a compensação necessária. Mesmo que houvesse uma maximização total do número de árvores, elas só conseguiriam dar conta de capturar o carbono relativo a uma década das taxas atuais de emissão de gases. Plantar árvores não pode ser sinônimo de passe livre para poluir o mundo.

A queima de combustíveis fósseis, as mudanças de uso do solo e a agropecuária intensiva são os principais agentes causadores da crise climática em todo o planeta. O Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg) indica que as mudanças de uso da terra, puxadas pelo desmatamento para abertura de novas áreas para agropecuária e especulação imobiliária, são historicamente as principais responsáveis pelas emissões no Brasil, representando 46% do total em 2020, seguida por 27% da agropecuária. A soma mostra que o agronegócio foi responsável por 73% das emissões no País nesse período.

Ao mesmo tempo, os grupos que menos contribuem para o aumento da temperatura no planeta – povos originários, camponeses e comunidades urbanas periféricas e tradicionais – são justamente os que mais sofrem as consequências diretas da crise climática e das soluções criadas em nome do enfrentamento da crise.

Já estamos lidando com o aumento de 1,1ºC na temperatura média global, é hora de colocar o foco nos verdadeiros vilões do clima e em suas responsabilidades históricas, abandonando termos vazios e maquiagens verdes que desviam a atenção do que realmente precisa ser feito: parar o desmatamento, deixar os combustíveis fósseis embaixo da terra e fazer a transição justa para um sistema de energia renovável e sustentável, sem nuclear, claro.

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INTERNACIONALISTA, ECOLOGISTA, COORDENADORA DO NÚCLEO POLÍTICAS E ALTERNATIVAS DA FASE, É PROFESSORA DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA PUC-RIO

Opinião por Maureen Santos

Internacionalista, ecologista, coordenadora do Núcleo Políticas e Alternativas da Fase, é professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio