Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião | Nós e o efeito borboleta

Decisões políticas em um país podem desencadear reações em cadeia em termos de relações internacionais, comércio global e estabilidade econômica

Por Basilio Jafet

A vida é resultado de causa e efeito. Fruto de escolhas boas ou más; sábias ou insanas. Diante do atual panorama global, fica difícil não resgatar o termo “efeito borboleta”, originário da teoria do caos: pequenas mudanças de um sistema local podem gerar consequências significativas e em larga escala em lugares distantes; crises econômicas em uma região podem repercutir em todo o mundo, afetando mercados globais e emprego.

Com a globalização, esse “efeito” ganhou maior estrutura. Com a internet, musculatura e voz. Decisões políticas em um país podem desencadear reações em cadeia em termos de relações internacionais, comércio global e estabilidade econômica.

As duas guerras hoje em marcha são foco de atenção e tensão em âmbito planetário. Os conflitos Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas se mostram longe de uma solução sensata. Muitas vidas seguirão vitimadas pela ausência de concórdia. Interesses sobrepõem-se à defesa de valores fundamentais.

Organismos internacionais não se mostram suficientes para manter a paz no mundo. As relações EUA-China remetem aos tempos da guerra fria, fazendo desejar que Henry Kissinger pudesse ganhar mais um século de vida para organizar a situação. E, não bastasse tudo isso, a Venezuela avança sobre a Guiana apoiada em “plebiscito” que aprovou a criação do Estado de Essequibo.

Neste mundo complexo, a solução política pela guerra é insustentável. Provoca ódio e radicalismo extremos. Transforma corações e mentes. Além de ser cara em vidas, é danosa em termos econômicos, com sequelas que se perpetuam por gerações.

E falando em gerações, o cenário de guerras afeta as imprescindíveis discussões e negociação de medidas para lidar com as mudanças climáticas globais. Recentemente, a 28.ª sessão da COP – conferência das Nações Unidas dedicada ao tema – foi realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU).

A COP-30 está programada para acontecer no Brasil (Belém do Pará). Mas a definição do Azerbaijão como país-sede da COP-29 tardou a acontecer, e isso em virtude das tensões políticas ao redor do mundo, especialmente no Leste Europeu, onde se esperava que fosse realizada. No imbróglio surgiu até mesmo a hipótese – afastada – de os EAU sediarem novamente o evento, o que representaria uma ruptura no saudável sistema de rotatividade de países-sede. Enfim, um fórum crucial para o futuro da humanidade se submeteu a dificuldades que não estariam no radar não fosse o bater das asas da borboleta. E esse é apenas mais um exemplo.

Interessante observar que em alguns países a maioria dos cidadãos parece pouco preocupada. São pessoas que estão voltadas para si, caso característico de norte-americanos e brasileiros. Só reagem mediante as consequências, como aumento do custo de vida e desemprego. E nem sequer levam em conta que no fulcro dessas dissensões estão em jogo valores como liberdade e democracia, ambas a exigir vigilância e exercício contínuos.

É sempre bom lembrar que, como definiu Winston Churchill, democracia “é a pior forma de governo que existe, à exceção de todas as outras”. O autoritarismo, que depende da alimentação constante de seus agentes e subjugação perene de boa parte da população, não é sustentável em um mundo onde o acesso à informação é muito maior. Além disso, o ser humano – empreendedor por natureza – precisa de espaço para atuar; sabe que o estatismo puro não funciona e tolhe o progresso.

Aqueles que amam a liberdade de empreender e viver estão atentos aos recentes episódios que a ameaçam.

As nações precisam ser conduzidas com coerência e respeito a princípios e valores, a exemplo do direito de propriedade e segurança jurídica. O posicionamento contra invasões territoriais e terrorismo tem de ser claro, firme e inegociável. Compadrios e objetivos políticos circunstanciais não podem prevalecer.

Precisamos lutar incansavelmente e perenemente pelos princípios democráticos e da diplomacia por meios pacíficos. Uma jornada que homens de bem têm de fazer juntos.

Os conflitos armados em andamento chamam nossa consciência. Será que não aprendemos nada com as duas grandes guerras, com a guerra fria, com a polarização? Quando vamos entender que atitudes, pequenas ou grandes, atingem a todos? Até quando aceitaremos soberanos buscando mais soberania, por meio de conflitos armados? A premissa de que “a paz é uma concessão do mais forte” prevalecerá?

Certa vez li um texto sobre a teoria do caos que fez muito sentido. Ao desviar de uma bola que chegou à rodovia, e logicamente deduzindo que atrás dela correria uma criança, o motorista desviou e, para evitar o pior, o caminhão que vinha em sentido contrário terminou tombando. A carga de produtos químicos que transportava se espalhou, contaminando solo e rio, matando flora e fauna, destruindo amplo perímetro.

Passou da hora de assumirmos de forma intransigente as premissas do consequencialismo. Prestemos atenção no bater das nossas asas. Por palavras, ações ou omissões, somos nossos efeitos. Que o senso de responsabilidade predomine e evite o mal maior.

*

DIRETOR DO GRUPO JAFET, É VICE-PRESIDENTE DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DO SECOVI-SP

Opinião por Basilio Jafet

Diretor do Grupo Jafet, é vice-presidente de Relações Institucionais do Secovi-SP