Em meio a debates sobre desinformação e a polarização das redes sociais, uma nova funcionalidade tem sido bem recebida: as Notas da Comunidade do X, o antigo Twitter. Mais do que um mero recurso numa plataforma de mídia social, as Notas da Comunidade formam um novo experimento social e tecnológico, o início ainda sutil de uma futura revolução de tecnologias descentralizadas. Em vez de se fechar em bolha ou apelar para a censura, essas tecnologias são capazes de democratizar a verificação de fatos e incentivar o debate racional sem sacrificar a pluralidade de opiniões.
Para os leitores, o sistema de Notas da Comunidade é simples. Quando um tweet viraliza, e especialmente quando toca em temas polêmicos, os usuários podem adicionar notas apontando erros factuais, oferecendo outras perspectivas ou adicionando fontes adicionais. Basicamente, trata-se de um ferramental para que os usuários da rede contextualizem e esclareçam tweets duvidosos ou imprecisos.
A genialidade está na maneira como o sistema se autorregula e na sua promoção da pluralidade bem informada. Ao contrário do que alegam algumas de suas vítimas, a publicação das Notas da Comunidade não é exclusividade de nenhum grupo. Desde que foi lançado, no final de 2022, o sistema de Notas da Comunidade já conseguiu contextualizar ou corrigir tweets de pessoas de todos os lados do espectro político.
O próprio Elon Musk, CEO do X, já foi acometido mais de uma vez, por exemplo quando divulgou o que parecia ser uma notícia da CNN dizendo que ele era uma ameaça à liberdade de expressão por deixar que as pessoas falassem livremente. A Nota da Comunidade veio em cima: “A captura de tela nesta imagem não é real; ela veio de um site satírico. A CNN nunca fez uma reportagem afirmando que Musk está ‘ameaçando a liberdade de expressão’. O texto na barra de informações foi adulterado digitalmente”.
Quando o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, escreveu que “fake news é crime”, a comunidade respondeu com “no Brasil, não há uma lei específica que defina e puna a criação e o compartilhamento de fake news, mas, dependendo do conteúdo e do dano que elas causam, elas podem se enquadrar em outros crimes, como calúnia, difamação, injúria, racismo, homofobia, entre outros”.
O mais interessante é que essas notas raramente parecem combativas ou agressivas. Normalmente, têm um tom ponderado. Essa razoabilidade não ocorre por acaso, mas por design. A grande sacada do algoritmo por trás das notas é tentar detectar o grau de polarização tanto dos usuários que escrevem as notas quanto das próprias notas.
Em linhas gerais, o algoritmo analisa se uma nota tem um tom muito à esquerda ou muito à direita politicamente. Não existe nenhuma autoridade ou tribunal rotulando usuários. Essa classificação é feita de maneira imparcial e aproximada, por meio de uma análise das redes do X. Notas mais neutras em polarização e com conteúdo mais informativo pontuam melhor em “utilidade” e tendem a ser promovidas. Já notas extremas em polarização política, de um ou ambos os lados do espectro, deixam de pontuar em “utilidade” e são menos exibidas.
O sistema acaba favorecendo notas equilibradas, que trazem informações úteis sem parecer que estão tomando lado na briga política. É informação sem lacração, o que ajuda a manter um debate saudável e reduzir a polarização.
E como se sabe que é assim que as notas funcionam? Porque seu algoritmo é transparente e auditável. Qualquer pessoa pode baixar os dados, rodar o algoritmo localmente e verificar se as notas exibidas condizem com os cálculos. Essa abertura impede a manipulação centralizada que vemos por trás de tantos algoritmos e garante que o X não interfira nos resultados.
É verdade que o sistema não é infalível. Há desafios, como a possibilidade de grupos organizados tentarem manipular o algoritmo para destacar certas notas. Mesmo que tais tentativas sejam rapidamente neutralizadas, o impacto inicial de uma nota manipulada pode perdurar, afinal, “o print é eterno”.
Apesar das suas fragilidades, as notas cumprem um papel modesto, mas importante: lembrar às pessoas que existem múltiplas perspectivas legítimas sobre diferentes assuntos. Elas funcionam como um complemento a outras iniciativas de combate à desinformação – como uma ferramenta que constrói pontes, em vez de inflar bolhas.
A transparência algorítmica das Notas da Comunidade revela as possibilidades que as tecnologias descentralizadas da Web3 podem trazer para as redes sociais. Ao formar consenso por meio do dissenso, as Notas de Comunidade são o primeiro exemplo concreto e em larga escala do futuro que poderemos construir na esfera pública digital.
*
É DIRETOR-EXECUTIVO DO INSTITUTO MILLENIUM E MASTER EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSIDADE DE COLUMBIA