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Opinião | Nova lei de pesquisa de medicamentos: oportunidades e segurança jurídica

Temos todos os predicados para nos tornarmos um dos principais líderes em desenvolvimento de novos fármacos no mundo

Por Joaquim Augusto Melo de Queiroz e Silvio Borges dos Santos Fachim

Depois de quase dez anos de discussões, foi sancionada nesta terça-feira (28/5) a lei que institui o marco legal de pesquisas clínicas no Brasil.

Pesquisas clínicas são os estudos realizados com a participação de seres humanos para o desenvolvimento de medicamentos, terapias e dispositivos médicos. Para que uma molécula possa ser pesquisada, até chegar às prateleiras das farmácias, é necessário um longo, custoso e complexo percurso. De acordo com a Federação Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticas (IFPMA), até 10 mil compostos experimentais chegam a ser testados em fase pré-clínica. Destes, apenas uma molécula inovadora conseguirá a aprovação pela FDA (órgão sanitário norte-americano). A um custo médio de US$ 2,6 bilhões e, na maior parte das vezes, sem qualquer sucesso.

Somados a esses riscos, particularmente no Brasil, a inovação farmacêutica padecia também de outro problema: a insegurança jurídica, devido à inexistência de um marco legal sobre o tema. Esse cenário pode mudar com a publicação da nova lei.

Existiam, é verdade, normas esparsas que regulavam as pesquisas clínicas no País. Contudo, favoreciam um processo moroso, gerando muitas dúvidas e controvérsias – o que impedia a realização de um maior número de pesquisas clínicas no Brasil. Havia insegurança, por exemplo, quanto à limitação de responsabilidades dos pesquisadores e patrocinadores dos estudos. Isso afastava investimentos, a retenção de talentos e a inovação científica no País. Desperdiçávamos oportunidades valiosas nesse campo.

Em termos práticos, o novo marco legal torna mais ágil o processo para a aprovação de uma nova pesquisa, com prazos claros regulados pela lei. Há agora uma única instância de decisão ética das pesquisas com seres humanos. Sua principal função é assegurar a proteção dos direitos, da segurança e do bem-estar dos participantes, antes e durante a pesquisa. Para tanto, realizará a análise, revisão e aprovação ética dos protocolos de pesquisa, bem como dos métodos e materiais a serem usados para obter e documentar o consentimento dos participantes da pesquisa. Por fim, caberá à Instância Nacional de Ética em Pesquisa – a ser regulada por ato do Poder Executivo – o papel de órgão recursal e fiscalizador das atividades de pesquisa no País.

Do ponto de vista de previsibilidade para investimentos em ciência no Brasil, uma das principais questões que ensejava grandes debates dizia respeito à obrigatoriedade de fornecimento do medicamento experimental, após a conclusão do estudo. Havia incertezas quanto às regras aplicáveis, o que afugentava empresas interessadas em realizar a pesquisa, especialmente nos casos envolvendo medicamentos experimentais para o tratamento de doenças raras, geralmente de alto custo. A nova lei trouxe maior clareza para as hipóteses desse fornecimento – e este talvez seja um dos grandes trunfos da nova legislação: conferir maior segurança jurídica, tanto para as empresas quanto para os pacientes. Entretanto, houve um veto do presidente da República sobre a possibilidade de interrupção do fornecimento do medicamento experimental, após o decurso do prazo de cinco anos de sua disponibilização comercial. Cabe refletir: se o medicamento já está disponível comercialmente, a obrigação de seu fornecimento poderia ser dispensada em determinados casos. Isso, fatalmente, ocasionará perda de oportunidades ao Brasil, na contramão de países que já superaram esse tema.

Questão interessante a ser avaliada diz respeito à aplicação das novas regras aos estudos clínicos em curso. Especificamente, as hipóteses de dispensa da obrigação de fornecimento de medicamentos para doenças raras, após a conclusão da pesquisa. De fato, remanescem dúvidas diante da ausência de regra de transição para os estudos já em andamento. É um tema que merece acompanhamento.

Em linhas gerais, para que uma pesquisa clínica seja robusta, é fundamental que possa abrigar grande diversidade entre os voluntários. Isso permite identificar melhor a eficácia do medicamento experimental, eventuais efeitos adversos, dosagem adequada e outros fatores. Estudo recente elaborado pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) aponta os diferenciais que sinalizam a vocação do Brasil para estar entre os países líderes em pesquisas clínicas no mundo. Temos elevado índice de heterogeneidade da população, com ampla variação de clima, cultura e condições socioeconômicas. Nosso sistema de saúde é sólido, testado e ratificado na pandemia. Dispomos ainda de boa regulação sanitária. E largamos na frente em relação ao custo competitivo para realização de estudos clínicos, em comparação com outros países. Temos a sétima maior população mundial, a maior população urbana da América Latina e a maior biodiversidade global. E estamos na quinta colocação mundial sob o critério de quantidade de indústrias farmacêuticas instaladas. São condições extremamente vantajosas para a condução de pesquisas científicas. Temos, portanto, todos os predicados para despontar na pesquisa de novos medicamentos e nos tornarmos um dos principais líderes em desenvolvimento de novos fármacos no mundo. E a nova lei chega em boa hora para impulsionar essa propensão do País.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ADVOGADO; E ADVOGADO, EXECUTIVO, LÍDER DO COMITÊ ESTRATÉGICO JURÍDICO DA CÂMARA AMERICANA DE COMÉRCIO PARA O BRASIL (AMCHAM BRASIL)

Opinião por Joaquim Augusto Melo de Queiroz

Advogado

Silvio Borges dos Santos Fachim

Advogado, executivo, é líder do Comitê Estratégico Jurídico da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil)