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Opinião|Novos cursos de Medicina, solução ou problema?

Multiplicação de instituições de ensino médico levanta preocupações quanto à qualidade da formação e à solução dos problemas de saúde pública no País

Por Antônio Geraldo da Silva e César Augusto Trinta Weber

Nos últimos anos, o Brasil tem observado um aumento significativo no número de faculdades de Medicina. Para se ter uma ideia, nas duas primeiras semanas de julho de 2024, o Ministério da Educação deu permissão para a criação de 12 novos cursos de Medicina. Só nessas duas semanas a quantidade de cursos de graduação médica autorizados ultrapassou todas as autorizações feitas em 2023.

O discurso governamental busca explicar essa expansão visando a atender à demanda crescente por profissionais de saúde em um país de dimensões continentais e com uma população que ultrapassa 200 milhões de habitantes, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, essa multiplicação de instituições de ensino médico levanta sérias preocupações quanto à qualidade da formação oferecida e à real solução dos problemas de saúde pública no País.

A principal justificativa para a abertura de novas faculdades de Medicina reside na suposta escassez de médicos, especialmente em regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos. Médicos não faltam. A má distribuição de médicos é, de fato, uma questão estrutural que está relacionada à forma como o sistema de saúde é organizado e como os recursos são alocados.

Regiões distantes e carentes sofrem com a precariedade, de um lado, das condições técnicas para o exercício profissional ético da medicina e, de outro, da infraestrutura e serviços a esta associados, como condições habitacionais, transporte e logística, geração e transmissão de energia, saneamento básico e telecomunicações, que possuem grande importância para o desenvolvimento social e econômico desses territórios.

Além disso, e não considerando aqui os reconhecidos problemas de gestão do sistema público de saúde no alcance de maior eficiência, a falta de um plano nacional de carreira, cargos e salários para profissionais da saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) torna mais grave a situação. Um plano de carreira bem estruturado, a exemplo de outras carreiras de Estado, seria capaz de distribuir médicos de forma mais equitativa pelo território nacional, oferecendo-lhes condições de trabalho e incentivando sua permanência em regiões que atualmente são negligenciadas.

A abertura de novas faculdades de Medicina sem um controle rigoroso de qualidade é um tema que precisa ser abordado com seriedade pelos órgãos reguladores e instituições de ensino. Muitas dessas instituições carecem de condições adequadas ao ensino, como estrutura física, hospitais-escola bem equipados, laboratórios modernos, corpo docente competente e qualidade dos estágios práticos. A formação médica exige um ambiente de aprendizado que simule a prática profissional, com acesso a casos clínicos diversificados e supervisão de profissionais experientes.

Além disso, o processo de expansão das faculdades de Medicina, muitas vezes, atende a interesses políticos e econômicos, em vez de priorizar a qualidade da educação e, por extensão, a própria qualidade do serviço médico. A abertura de cursos sem levar em conta critérios objetivos e a avaliação cuidadosa das necessidades regionais e das capacidades institucionais pode levar a um excesso de profissionais em áreas já saturadas, enquanto regiões realmente necessitadas continuam desassistidas.

Para contextualizar, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), temos hoje 575.930 médicos ativos no País, uma das maiores quantidade do mundo, resultando em uma proporção de 2,81 médicos por mil habitantes, a maior já registrada e que coloca o Brasil à frente dos Estados Unidos, Japão e China.

Com um crescimento exponencial, o número de faculdades de Medicina no Brasil passou de 78 em 1990 para as atuais 389, sem que isso se traduza necessariamente em uma distribuição equitativa de médicos ou em uma melhoria na qualidade do atendimento à saúde.

Em direção oposta ao que vem sendo sustentado, a abertura de novos cursos de Medicina não é garantia de permanência de seus formandos nas regiões sede dessas faculdades. O mero aumento de faculdades de Medicina no Brasil é uma “proposta de solução” simplista para um problema complexo.

Em vez de unicamente aumentar o número de faculdades de Medicina, é necessário investir na melhoria da gestão do sistema de saúde, aumentar o financiamento do Sistema Único de Saúde, garantir a construção e manutenção de infraestruturas de saúde adequadas e a oferta de segurança, suporte profissional e remuneração justa.

Muitos argumentam que isso, na verdade, virou um grande negócio, bancado na sua maioria pelo Estado que “financia” os estudos e depois isenta o pagamento das mensalidades, criando um maior custo do que seria a criação de escolas públicas e serviços de saúde públicos. Se cada faculdade de Medicina tivesse a obrigação de criar serviços para a formação, aí sim seria um início de demonstração de interesse na saúde pública e no cuidado da população.

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MÉDICOS PSIQUIATRAS, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PSIQUIATRA FORENSE E PSIQUIATRA PSICOTERAPEUTA

Opinião por Antônio Geraldo da Silva

Médico psiquiatra e psiquiatra forense

César Augusto Trinta Weber

Médico psiquiatra e psiquiatra psicoterapeuta