Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião | O BNDES e o fomento à sustentabilidade e à transição energética

As transformações em curso recomendam não só ampliação e diversificação das operações de financiamento do banco, mas também maior articulação com fontes privadas de financiamento

Por André Passos Cordeiro, André Nassif e Paulo Gala

Os enormes desafios inerentes às esperadas transformações tecnológicas, principalmente as relacionadas às economias verde e digital, pressionarão cada vez mais o Brasil a definir logo qual caminho seguir. O País tem condições de ser um dos líderes globais no processo de transição energética, mas, para isso, são necessários planejamento, foco e investimento.’

É neste cenário que está o papel crucial de bancos de desenvolvimento, como o BNDES: compartilhar riscos associados a investimentos de longa maturação e em projetos de inovação, notadamente os que envolvem tecnologias de caráter disruptivo, que exigem capital “paciente”. É preciso, obviamente, usar de seletividade.

Com base nas transformações globais em curso e nas peculiaridades econômicas e sociais brasileiras, os fluxos de crédito do banco podem priorizar seis eixos: economia verde e sustentável, com projetos que incorporem tecnologias de baixa emissão de dióxido de carbono; inovações em geral; infraestrutura; projetos com potencial de redução das desigualdades sociais e regionais; financiamento às exportações (inclusive de bens e serviços de engenharia em obras no exterior, que rendem divisas e ativam emprego no Brasil); e apoio a micro, pequenas e médias empresas.

No Brasil, temos bons exemplos de sucesso nas últimas décadas a partir da atuação do banco nesses eixos: criação dos parques eólicos do Nordeste, que hoje respondem por 10% de nossa carga total; consolidação e fortalecimento de empresas brasileiras que hoje operam na fronteira tecnológica mundial, como, por exemplo, Totvs, Embraer, Weg, Ioschpe, entre outras; fortalecimento das empresas farmacêuticas brasileiras no âmbito da Lei dos Genéricos; gestão do Fundo Amazônia e diversas iniciativas em sustentabilidade ao redor do País; parceria com o programa de cisternas para o Nordeste; entre muitos outros.

No que se refere ao custo dos financiamentos, o BNDES poderia, por exemplo, operar com quatro tipos de taxas de juros, estipuladas caso a caso: taxas que reflitam (não necessariamente por completo) as condições de mercado; taxas subsidiadas; operações totalmente subsidiadas (a fundo perdido); e encargos baseados em cestas de moedas, em operações cujos recursos tenham sido captados em moeda estrangeira.

No primeiro caso, o governo deveria propor uma taxa alternativa à Taxa de Longo Prazo (TLP) e/ou um fator redutor da própria TLP. Afinal, não faz sentido um banco de desenvolvimento cobrar taxas totalmente determinadas pelo mercado, atuar onde bancos privados já atuam. O desafio está em fazer o que a iniciativa privada não topa fazer na partida. Os exemplos de sucesso citados acima são prova disso – sem o BNDES, provavelmente não teriam vingado.

Empréstimos com subsídios diretos do Tesouro deveriam ser limitados a programas muito específicos e de alto impacto econômico e social de longo prazo, como a reindustrialização, aproveitando o gás natural do pré-sal como matéria-prima e energia, mas, ainda assim, com justificativas precisas, valores transparentes e previstos no orçamento público, como se faz, por exemplo, no Plano Safra, que nos últimos 12 meses teve mais de R$ 200 bilhões com taxas de juros subsidiadas. Empréstimos totalmente subsidiados (a fundo perdido) só deveriam ser concedidos em caráter excepcional, como os direcionados a investimentos em inovações tecnológicas de micro, pequenas e médias empresas, startups e os ligados à transição energética, redução de emissões de gases de efeito estufa (captura de carbono, por exemplo), uso de insumos renováveis e economia circular.

Num ambiente de parceria com o BNDES, a indústria química tem muito a contribuir.

O Brasil tem vantagens comparativas potenciais relacionadas às suas riquezas naturais, que propiciam desenvolvimento diferenciado da indústria química, em especial no contexto de priorização global de redução de impactos climáticos e da transição para a economia circular, que demandam a diminuição das emissões de gases do efeito estufa e maximização do aproveitamento de recursos, tanto materiais como energéticos. Alguns segmentos da indústria, por estarem conectados direta e indiretamente com os potenciais de diferenciação natural mencionados anteriormente, têm a oportunidade de alavancar geração de valor para a sociedade e para a economia do País como um todo. Nesse contexto, destacamos quatro missões para a indústria química no Brasil:

• Bioprodutos: produzidos a partir de biomassa vegetal e que substituem insumos tradicionais de origem fóssil, fortes indutores de inovação;

• Energias renováveis: ampliar a matriz energética limpa, com baixa pegada de CO2, e de baixo custo, como solar, eólica e biomassa, e viabilizar a produção de hidrogênio verde – soluções que, por sua vez, alavancam cadeias sustentáveis de químicos, bem como favorecem a produção eletrointensiva de outros químicos;

• Gás natural: viabilizar novas cadeias produtivas a partir da maximização do uso do gás natural oriundo do pré-sal como matéria-prima competitiva, diminuindo a vulnerabilidade do País no agronegócio, a partir da produção de fertilizantes;

• Saneamento: fomentar investimentos e desenvolver ambiente favorável para o desenvolvimento de oportunidades decorrentes do novo Marco Legal do Saneamento Básico.

Tendo em vista os enormes desafios inerentes às transformações tecnológicas esperadas no decorrer do século 21, principalmente as relacionadas às economias verde e digital, é evidente que o crédito privado será escasso para financiar grandes projetos de investimento. O problema é que, com o funding atual, o BNDES não terá meios para dar conta do recado. Será preciso, portanto, que a instituição encontre fontes diversificadas de financiamento. Por exemplo, reconfigurando a estrutura de captação de recursos provenientes dos fundos institucionais, como o FAT; introduzindo formas adicionais de captação de recursos no âmbito da reforma tributária, de modo a proporcionar fontes mais perenes para a composição do passivo do BNDES; buscando recursos, em moeda estrangeira, em instituições multilaterais ou regionais como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco do Brics, bem como em bancos governamentais, como o China Development Bank e outros; estruturando projetos de investimento para descarbonização em parceria com empresas privadas, públicas ou entidades da Federação, com o objetivo de acessar recursos financeiros externos; e captando recursos via emissão de títulos verdes (green bonds), aposta promissora no financiamento de tecnologias com baixa emissão de CO2. Nenhuma dessas sugestões acarreta impactos fiscais adversos.

Em suma, as grandes transformações em curso recomendam não só a ampliação e a diversificação das operações de financiamento do BNDES, mas também maior articulação com fontes privadas de financiamento, o que poderá contribuir para o fortalecimento do mercado privado de capitais.

Com maior ritmo de crescimento econômico, o BNDES será crucial para atrair e ampliar o mercado de financiamento privado brasileiro.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE-EXECUTIVO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA QUÍMICA (ABIQUIM), PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF) E PROFESSOR DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV/SP)

Opinião por André Passos Cordeiro, André Nassif e Paulo Gala