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Opinião|O Brasil está em chamas – e essa conta é do desmatamento

Como 2024 está provando, eventos extremos são cada vez mais frequentes e intensos. Não podemos esperar pela próxima catástrofe ambiental para agir

Por Mauricio Voivodic

As cenas recentes de incêndios no interior de São Paulo, de estradas bloqueadas no Pantanal e de cidades cobertas pela fumaça nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste mostram um Brasil em chamas, e são um sinal evidente de que a emergência não é mais uma exceção. Em comum, áreas afetadas pela mudança do clima e próximas ao avanço do desmatamento, que sofrem com crises hídricas e que agora veem avançar o fogo criminoso – fogo esse que destrói a natureza e que ameaça a sobrevivência de todos nós.

As queimadas que assolam diversas partes do País nos últimos meses são resultado de uma combinação preocupante da falta de ambição climática do Brasil e de outros países, e da ação humana criminosa nos territórios. O avanço acelerado do desmatamento e da conversão do Cerrado, que também contribui para a mudança do clima, facilita a rápida expansão do fogo que bloqueia estradas, destrói a biodiversidade, afeta a saúde e a segurança alimentar da nossa população, além de prejudicar a produção econômica brasileira. Os efeitos são devastadores e não há mais como ignorar que combater a crise climática é essencial para garantir a nossa própria sobrevivência.

Secas extremas, como as registradas no Pantanal e na Amazônia, são resultado direto dessa combinação. No Pantanal, a crise hídrica é agravada pela destruição da vegetação nas nascentes de seus principais rios, localizadas no planalto da Bacia do Alto Paraguai, no Cerrado. Na Amazônia, as nuvens de fumaça coincidem com as áreas localizadas no arco do desmatamento (centro-sul do Estado do Amazonas, norte de Rondônia e sudoeste do Pará).

Com o aumento das temperaturas, temporadas de secas cada vez mais prolongadas e baixas umidades, é urgente mudar radicalmente a forma como enxergamos o uso da terra no Brasil. Não podemos mais aceitar ataques irresponsáveis ao Código Florestal, que colocam em risco áreas críticas para a segurança ambiental e dos recursos naturais. É preciso implementar a nova política de uso de fogo no País, efetivar os sistemas de monitoramento e tornar mais eficiente as ações de mitigação e prevenção aos incêndios. Para isso, é necessário o fortalecimento do trabalho conjunto e contínuo entre governo federal, estadual e dos municípios, somado ao das organizações da sociedade civil, das comunidades e das propriedades locais com suas brigadas. Isso porque o fogo já se tornou uma ameaça permanente em muitas regiões. É necessário ainda identificar e responsabilizar aqueles que insistem em queimar a nossa biodiversidade. Não existe saldo positivo em temporadas de fogo devastadoras; a única forma de mitigar os danos é assegurar que os responsáveis por atos ilícitos sejam devidamente punidos.

Por fim, qualquer ação de controle das queimadas só terá efeito com um combate efetivo da principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil: o desmatamento e a conversão da vegetação nativa. Isso pressupõe o planejamento territorial, dar destinação a terras não destinadas na Amazônia, promover a desintrusão de terras indígenas, avançar no processo de demarcação dos territórios dos povos originários e ampliar as unidades de conservação. É urgente proteger o Código Florestal, avançar na validação dos Cadastros Ambientais Rurais com critérios mais específicos e consequente ajuste de pendências ambientais, assim como aumentar o rigor por parte de autoridades ambientais estaduais na concessão de autorizações de supressões vegetais e a devida punição de criminosos ambientais.

Como já sabemos, o meio ambiente não tem fronteiras. E como 2024 está provando, eventos extremos são cada vez mais frequentes e intensos. As consequências são devastadoras. Não podemos esperar pela próxima catástrofe ambiental para agir: a hora é agora.

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DIRETOR-EXECUTIVO DO WWF-BRASIL

Opinião por Mauricio Voivodic

Diretor-executivo do WWF-Brasil