No Brasil se formou uma das mais brilhantes estrelas da astronomia mundial. Beatriz Barbuy, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Ela ocupou a vice-presidência da União Astronômica Internacional (IAU) e recebeu o Prêmio L’Oréal-Unesco por seu trabalho sobre a vida das estrelas, desde os primórdios do universo até os dias atuais.
Em 1990, o telescópio espacial Hubble possibilitou enxergarmos o universo com uma nitidez sem precedentes. As nebulosas passaram a ter seus segredos desvendados, revelando como as estrelas se formam e morrem. A professora Beatriz, junto com o professor Eduardo Bica, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), teve a honra de ter um projeto aprovado logo no início do Hubble. Aproveitando a nitidez ímpar, desvendaram as idades de aglomerados de estrelas do bojo de nossa galáxia e mostraram que eles são antigos, entre as primeiras estruturas formadas na Via Láctea. Nessa gloriosa década, tivemos também grandes contribuições por observatórios no solo, como a descoberta da energia escura e de planetas fora do Sistema Solar.
Apenas um ano depois do lançamento do Hubble, Beatriz organizava em Angra dos Reis um Simpósio da IAU, reunindo a comunidade mundial de astronomia para analisar as populações de estrelas da Via Láctea e outras galáxias. Três décadas depois, novembro de 2024 ficou marcado como o mês de um novo encontro sobre o tema em Paraty, no Rio de Janeiro.
O evento, organizado pelo Departamento de Astronomia do IAG-USP, o Laboratório Nacional de Astrofísica e o Observatório Nacional, reuniu temas que vão desde a origem dos elementos químicos até a evolução de galáxias. Em discussão, o que avançou nestas três décadas sobre populações estelares, a construção de uma imagem holística da formação da Via Láctea e futuros instrumentos. Além disso, o reconhecimento mundial à professora Beatriz, homenageada pelo conhecimento que ela distribuiu ao longo de sua jornada.
No bojo de suas contribuições, a mais recente foi a análise química de 58 estrelas formadas na região esferoidal central da Via Láctea, trazendo importantes informações sobre a origem dessa região. Ela também teve participação na criação do maior mapa infravermelho da Via Láctea, publicado em setembro de 2024. Esse mapa permitirá explorar a estrutura galáctica, populações estelares, estrelas variáveis, aglomerados estelares de diversas idades, e ajudar em estudos de astrofísica estelar, exoplanetas e galáxias.
A contribuição do Brasil para a astronomia vai de Beatriz e além. Usando como exemplo o estudo que mapeou a galáxia, ele reuniu 146 cientistas de 14 países, sendo o autor principal o brasileiro Roberto Saito, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O Brasil está entre os países que mais produzem ciência em astronomia, com 617 estudos publicados em 2023 em revistas de alto impacto. É a segunda colocação entre os países da América Latina, atrás apenas do Chile, que tem no Atacama renomados observatórios internacionais, como o Observatório Europeu do Sul (ESO).
Ao longo das últimas três décadas, observamos uma gama de transformações, que aqui vamos dividir em tecnologia observacional, big data e teoria. No avanço observacional, de finais dos anos 1990 à década de 2000, se consolidou o espectrógrafo Echelle, capaz de observar todo o espectro do azul ao vermelho em alta resolução espectral. Em particular, o espectrógrafo Uves no telescópio VLT, do ESO, teve um impacto enorme no estudo da composição química das estrelas, com importantes contribuições pela professora Beatriz. Também começaram a aparecer instrumentos alimentados via fibra óptica, o que permitiu instrumentos muito estáveis, como por exemplo o High Accuracy Radial Velocity Planet Searcher (Harps) do ESO, que revolucionou a detecção de exoplanetas. Ambos, Uves e Harps, significaram uma quebra de paradigma, por fornecer dados já prontos para análise, poupando os astrônomos do lento e laborioso processo de redução de dados. Isso acelerou a velocidade com que a comunidade foi capaz de estudar e interpretar novos dados. Na esteira disso, na década de 2010 houve importantes levantamentos de espectroscopia de alta resolução de muitos objetos simultaneamente, como o Apogee no infravermelho.
Entre 1998 e 2009, a astronomia entrou na era do big data, com o levantamento de dados Sloan Digital Sky Survey (SDSS). Desde 2013, o satélite Gaia vem revolucionando a compreensão das populações estelares ao fornecer dados astrométricos precisos para mais de mil milhões de estrelas na galáxia. Além disso, a aprendizagem automática e a inteligência artificial são cada vez mais utilizadas para processar e analisar dados astronómicos, melhorando a nossa capacidade de identificar padrões e fazer descobertas a partir de conjuntos de dados complexos.
Na teoria, na década 1980 prevaleciam as discussões sobre a primeira geração de estrelas. Passadas as décadas seguintes, avançamos no entendimento do que as galáxias têm a nos dizer, por cada uma de suas populações estelares. Para prosseguir, precisamos investir em pesquisa científica, além de reconhecer e enaltecer as nossas estrelas, como a professora Beatriz Barbuy.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PESQUISADORA DO LEIBNIZ INSTITUTE FOR ASTROPHYSICS POTSDAM, DA ALEMANHA; PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ASTRONOMIA DO INSTITUTO DE ASTRONOMIA, GEOFÍSICA E CIÊNCIAS ATMOSFÉRICAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (IAG-USP); E PROFESSORA ASSOCIADA DO IAG-USP