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Opinião | O Consenso de Dubai ensina: descarbonização da economia se faz com políticas públicas e academia

Enxergar o protagonismo acadêmico na revolução econômica é condição precípua para o desenvolvimento do setor produtivo do País

Por Cácia Pimentel

Para traduzir um acordo teórico em ações efetivas da forma mais expedita possível, o Consenso de Dubai propõe ao mundo uma revolução econômica que dependerá necessariamente da academia. Isso porque as constatações e recomendações inéditas do primeiro relatório do Balanço Global de emissões (First Global Stocktake) exigem a adoção de mudanças aceleradas e profundas no padrão de produção em poucos anos, por meio da adoção de novas tecnologias, algumas já disponíveis, mas nem todas aprimoradas ou economicamente factíveis. Isso significará a substituição de modelos tradicionais fósseis e altamente poluentes por outras rotas e métodos produtivos que capturem ou removam os gases de efeito estufa, sobretudo o dióxido de carbono e o metano. E esses resultados só são alcançados por meio de pesquisas aplicadas e da elaboração de uma nova estrutura jurídico-regulatória bem prospectada para os melhores resultados socioambientais e econômicos.

Conforme aponta o relatório final, incentiva-se explicitamente a cooperação internacional inclusiva para a pesquisa, o desenvolvimento, a inovação em centros acadêmicos-científicos, notadamente em setores com mais dificuldade na redução das emissões, como o setor siderúrgico, por exemplo. A participação da academia poderá reforçar a capacitação dos recursos humanos e o desenvolvimento de novas tecnologias. Os países signatários concordam que toda a sociedade civil deverá estar envolvida e contar com a atuação das instituições de pesquisa, que têm um papel central na condução do progresso coletivo de enfrentamento das emergências climáticas.

Nesse sentido, o trabalho exitoso da academia também exigirá profunda cooperação internacional, com intercâmbio de experiências do nível transnacional até os níveis nacional, subnacional e local, para investigação conjunta, formação de profissionais e cientistas versados nas novas competências, pesquisa aplicada, investimentos específicos e desenho de normativos que facilitem e incentivem esses intercâmbios.

Assim, as pesquisas relacionadas a salvaguardas da segurança alimentar, logística de distribuição de alimentos e relação concorrencial intricada entre produção de alimentos e produção de biocombustíveis, escolha por novas modais e tecnologias energéticas, de captura e armazenamento de gases de efeito estufa servem de exemplo da importância do estreitamento da relação entre os pesquisadores de diversos institutos para que juntos encontrem soluções economicamente possíveis e ambientalmente desejáveis. Diante de tamanha importância, o relatório destaca que as pesquisas desenvolvidas a partir de agora devem ser incisivamente direcionadas à proteção da integridade de todos os ecossistemas e de toda a biodiversidade. No cenário brasileiro, será preciso prospectar quais caminhos podem dinamizar a interação das partes que compõem o sistema de inovação.

O desafio é ainda maior quando se observa que os governos nacionais têm capacidade limitada de impor as diretrizes traçadas no plano global aos governos subnacionais e aos diversos setores econômicos presentes na jurisdição interna. A governança multinível exige tempo e governabilidade para ser construída, ou seja, a habilidade de um governo impelir o cumprimento de políticas públicas aos cidadãos, que se apresentam como consumidores, gestores, empresários, eleitores e produtores em geral. Mesmo no plano global, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU – expoente do multilateralismo – levaram mais de duas décadas para serem formulados e recepcionados pelos países signatários. Ainda assim, os esforços globais mostram-se insuficientes para a superação das lacunas que eles buscam transpor.

De fato, os países que já possuem políticas públicas modernas de incentivo à pesquisa entram de forma mais competitiva na disputa pelos fundos que foram prometidos na COP-28, que já somam mais de US$ 57 bilhões. O Brasil possui um bom arcabouço jurídico, que prevê instrumentos de cooperação ainda subutilizados pelas partes epistêmicas que compõem o sistema. O Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, instituído pela Lei n.º 13.243/2016 e regulamentado pelo Decreto n.º 9.283/2018, possui instrumentos modernos de estímulo à pesquisa e inovação e permite que pesquisadores de organizações públicas e privadas sejam remunerados por suas invenções. A norma estimula que parques tecnológicos e empresas desenvolvam alianças estratégicas e, sobretudo, que fundos de pesquisa compartilhem os ativos com projetos de pesquisa que atendam ao interesse social. Por sua vez, a Lei n.º 13.019/2014 e seu decreto regulamentador permite a inexigibilidade de realização de licitação ou de chamamento público em casos específicos e acelera a interação da academia com governos e mercado.

Ainda existem pontos de melhoria que devem ser corrigidos no sistema de inovação brasileiro, mas os instrumentos legais existentes já são suficientes para permitir o financiamento de pesquisas aplicadas com mais agilidade, de modo que os pesquisadores desenvolvam soluções para os gargalos tecnológicos relacionados à descarbonização econômica. Só o fundo nacional de inovação já conta com o aporte de R$ 9,9 bilhões para investimentos em pesquisa e precisa ser usado. E agora, com a possibilidade de confluência dos fundos globais, o Brasil terá oportunidades inéditas para entrar na vanguarda das pesquisas aplicadas. Enxergar o protagonismo da academia na revolução econômica é condição precípua para o desenvolvimento do setor produtivo do País.

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COORDENADORA EXECUTIVA DO CENTRO MACKENZIE DE POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS DE INTEGRIDADE; DOUTORA EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO PELA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. PESQUISADORA DO SABIN CENTER OF CLIMATE LAW DA COLUMBIA UNIVERSITY; MESTRE PELA CORNELL UNIVERSITY, É PALESTRANTE NAS CONFERÊNCIAS DO CLIMA NAS NAÇÕES UNIDAS

Opinião por Cácia Pimentel

Coordenadora executiva do Centro Mackenzie de Políticas Públicas e Políticas de Integridade; doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. pesquisadora do Sabin Center of Climate Law da Columbia University; mestre pela Cornell University, é palestrante nas Conferências do Clima nas Nações Unidas