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Opinião|O delicado equilíbrio entre a moralidade e a legalização da prostituição

Um acordo inédito firmado entre o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego suscitou relevantes questões jurídicas

Por Mozar Carvalho

Um acordo inédito firmado entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego suscitou relevantes questões jurídicas. A decisão garantiu o reconhecimento do vínculo empregatício e a formalização do trabalho para profissionais do sexo numa boate na cidade de Itapira, interior de São Paulo. No contexto, evidenciam-se a busca pela regularização da prostituição e o contraditório crime de rufianismo, destacando o ato criminoso de tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou parcialmente, por quem a exerça.

A atividade da prostituição é objeto de intensos debates morais e éticos em qualquer sociedade. O cerne dessas discussões reside na percepção de que a prostituição pode ser vista como uma prática imoral e degradante, com potencial para abalar valores fundamentais da sociedade e expor as mulheres em situações de exploração e degradação. Nesse contexto, a legalização da prostituição e o reconhecimento de direitos trabalhistas a essa atividade são considerados dilemas éticos de complexa solução.

É importante ressaltar que, até o momento, não existe no Brasil uma regulamentação específica para a profissão de trabalhador do sexo. Para que essa regulamentação seja efetivada, torna-se imprescindível a aprovação de um projeto de lei pelo Congresso Nacional, seguido pela sanção presidencial. Contudo, cabe mencionar que a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho, já reconheceu a profissão dos trabalhadores do sexo desde 2014. Ainda que tal reconhecimento não tenha força regulamentativa, sinaliza uma tendência em relação à possível legalização da prostituição no País.

Neste cenário, a normalização da prostituição pode acarretar um aumento na demanda por serviços sexuais, resultando, consequentemente, numa maior exploração das mulheres envolvidas nessa atividade.

Melhor contextualizando: um aspecto crucial a ser considerado é o fato de que muitas mulheres entram neste caminho ainda como crianças e adolescentes, especialmente no cenário brasileiro. Essa realidade torna-se apenas um período de espera até atingirem a maioridade, aos 18 anos, quando, se permanecerem na prostituição, suas escolhas são vistas como decisões tomadas por vontade própria.

No entanto, tal perspectiva negligencia completamente a experiência traumática vivida por essas jovens desde tenra idade, ignorando o impacto devastador que a exploração sexual tem sobre sua autoestima e autoconfiança, bem como a dificuldade de enxergar outras possibilidades para sua vida e serem aceitas na sociedade. O estigma associado à prostituição também torna ainda mais difícil para essas mulheres se inserirem no mercado de trabalho regular.

Além disso, é importante destacar que a maioria delas encontra-se sob o controle opressor de cafetões e cafetinas, tornando extremamente desafiador romper este ciclo de exploração.

De forma irônica, o acordo feito pelo Ministério Público levanta questões inusitadas, como a possibilidade de utilização do Programa Jovem Aprendiz do sexo para cumprir a Lei 10.097/2000. Ainda no exagero da ironia, não menos inusitada é a situação em que uma prostituta, ao contrair doença relacionada ao contato sexual, seja considerada vítima de acidente de trabalho, elegível para afastamento pelo INSS. Embora absurdas tais reflexões, apontam para a existência de incongruências na medida tomada e suas consequências jurídicas.

Portanto, é essencial abordar a prostituição não apenas como uma escolha individual, mas como uma realidade complexa e multifacetada que exige compreensão, empatia e esforços para proporcionar alternativas e ajudar as mulheres a saírem desta situação de vulnerabilidade e abuso.

Quanto ao aspecto jurídico, a jurisprudência dominante e a doutrina têm argumentado que contratos de trabalho no contexto da prostituição podem violar requisitos de validade do negócio jurídico estabelecidos no Código Civil. Notadamente, a licitude do objeto, além de sustentar a tese de que a promoção da prostituição é proibida pelo Código Penal brasileiro, reforçando a ponderação de que o reconhecimento de direitos trabalhistas nesse âmbito pode ser questionável sob a ótica legal.

O acordo inédito em Itapira, que conferiu reconhecimento do vínculo empregatício para profissionais do sexo, que impôs o seu reconhecimento e registro na CTPS das mulheres como “profissionais do sexo”, embora colidindo fortemente com o Art. 230 do Código Penal Brasileiro, que destaca ser ato criminoso tirar proveito da prostituição alheia, suscita reflexões éticas e morais acerca da legalização da prostituição.

No entanto, embora o acordo seja firmado entre o Ministério Público e a boate, sua validade e eficácia podem ser levadas à avaliação e decisão do Poder Judiciário. A independência e a imparcialidade do Judiciário garantem que questões legais controversas possam ser avaliadas de forma mais abrangente, na busca de assegurar maior conformidade com as leis e os princípios constitucionais.

Porém a sociedade deve abordar este debate de forma transparente, equilibrando a preocupação com os direitos trabalhistas das profissionais com a necessidade de preservar valores e princípios essenciais à coletividade. A busca por alternativas que protejam as mulheres envolvidas nessa atividade deve ser conduzida com rigor e sensibilidade, compreendendo os desafios inerentes a essa temática.

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ESPECIALISTA EM DIREITO TRABALHISTA, É DOUTOR EM CIÊNCIAS PÚBLICA E SOCIAL PELA UMSA

Opinião por Mozar Carvalho