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Opinião|O desafio de calcular o valor dos danos climáticos causados pelo desmatamento ilegal

É urgente que o governo brasileiro estabeleça um preço para a tonelada do CO₂ emitida que contemple suficientemente os danos ecológicos, sociais e intergeracionais

Por Paulo Moutinho e Alexandre Gaio

Entramos, definitivamente, numa emergência climática. É o que apontam as imagens da Amazônia em chamas e a nuvem de fumaça que se espalha pelo Brasil. As queimadas, criminosas ou não, não apenas destroem a vegetação nativa de nossos biomas, mas também liberam toneladas de CO₂ (dióxido de carbono) na atmosfera, agravando a mudança do clima, sendo ela global, regional ou local. A ameaça à vida de todos nós é real. De janeiro a agosto deste ano, os focos de incêndios florestais aumentaram alarmantes 78% no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com a Amazônia sendo o bioma mais afetado.

A incidência de incêndios florestais no mundo vem se acentuando desde a era industrial. Ainda é uma ferramenta comum no uso da terra. Contudo, num mundo em transformação climática, seu uso descontrolado ou criminoso passa a ser instrumento de destruição em massa. O resultado final é, invariavelmente, um aumento sem precedentes da temperatura do planeta e maior incidência de eventos extremos. Chuvas intensas, ondas de calor, secas prolongadas e ciclones tropicais já fazem parte do nosso cotidiano.

Já comprovada cientificamente, e cada vez mais evidente, a relação de causa e efeito, o desmatamento, os incêndios florestais, as queima de combustíveis fósseis e o uso insustentável da energia e da terra resultam na emissão de CO₂, que agrava o efeito estufa e a situação emergencial da estabilidade do clima. E o Brasil enfrenta desafios significativos nesse contexto.

Apesar dos esforços recentes contra o desmatamento, em especial na Amazônia, ainda ocupamos a desconfortável sexta posição entre os maiores poluidores climáticos. Temos como principal fonte de emissão de gases de efeito estufa as mudanças no uso da terra. Elas foram responsáveis, em 2022, por 48% das emissões nacionais e, dessas, o desmatamento contribuiu com 97%.

Diante desse cenário alarmante de degradação florestal e incêndios descontrolados, além das medidas preventivas e de combate que busquem alcançar o desmatamento zero no Brasil, é fundamental a exemplar responsabilização do infrator. O desmatador ilegal ou o incendiário criminoso deve, além de promover a recuperação da área degradada, prover também reparação financeira pelos prejuízos ambientais e climáticos causados, e estar sujeito a outras penalidades previstas em lei.

Ainda, uma vez consumada a supressão ilegal da vegetação nativa, o responsável pelo ilícito ambiental deve responder, independentemente de culpa, por toda a extensão dos danos causados ao meio ambiente, incluindo o dano climático, em conformidade com o princípio da reparação integral dos danos ambientais.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem buscando fixar parâmetros que orientem as condenações ambientais com impactos climáticos. Em sua Resolução 433/2021, o órgão determinou que as condenações por danos ambientais considerem o impacto na mudança climática global, os danos a povos e comunidades atingidas e o efeito dissuasório às externalidades ambientais causadas.

Os Ministérios Públicos têm desempenhado um papel importante nessa discussão, exigindo a responsabilização civil do infrator pelos danos climáticos. Mas como calcular o valor desse dano? Como traduzir em reais o impacto dos danos climáticos ao equilíbrio do planeta, à biodiversidade e à vida dos seres humanos?

A ciência já fornece ferramentas para isso. Com o uso de tecnologias como a Calculadora de Carbono, é possível estimar a quantidade de CO₂ liberada pelo desmatamento e, a partir daí, calcular o valor do dano climático. A plataforma online desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) permite calcular a quantidade de carbono estocada na vegetação antes do desmatamento e embasar os posteriores cálculos que convertem o carbono em CO₂.

Uma vez que a quantidade de gás carbônico emitida por um desmatamento ilegal é estimada pela Calculadora de Carbono, o passo seguinte é precificar o dano climático resultante. Para tanto, o montante calculado, além de compensar o dano ao clima pela emissão de CO₂, também deveria refletir o suficiente para contemplar a reparação de todas as externalidades negativas decorrentes do desmatamento da vegetação nativa.

Entre elas, aquelas resultantes dos prejuízos sofridos pelo patrimônio ecológico e pela sociedade, tais como crise hídrica e alimentar, prejuízos à saúde humana. Deve-se considerar, ainda, que, como qualquer dano ambiental, o dano climático se projeta de forma cumulativa no tempo, afetando as presentes e as futuras gerações.

Atualmente, o Fundo Amazônia estabelece um valor de referência para o carbono de US$ 5 por tonelada de CO₂. Porém, esse valor não reflete todos os danos socioambientais e econômicos decorrentes do desmatamento e suas emissões de CO₂ associadas.

Exatamente por essa razão, é urgente que o governo brasileiro, com a ampla participação da sociedade civil, estabeleça um referencial oficial, a ser definido por estudos interdisciplinares, fixando um preço para a tonelada do CO₂ que contemple suficientemente os danos ecológicos, sociais e intergeracionais.

Até que tenhamos um outro referencial, as ações ilegais que causam danos ao clima devem ser compensadas tendo como base, no mínimo, o valor estipulado pelo Fundo Amazônia. Assim, é possível, desejável e necessário, desde já, incorporar nas ações de responsabilidade ambiental o pedido de condenação pelos danos climáticos decorrentes do desmatamento ilegal e, de modo mais preciso, as externalidades negativas decorrentes da disfuncionalidade causada ao sistema climático.

*A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e o Ipam elaboraram, em conjunto, uma nota técnica com diretrizes e recomendações para o cálculo dos danos climáticos e a responsabilização por desmatamento ilegal. O documento está disponível para download

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PESQUISADOR SÊNIOR DO IPAM; E PROMOTOR DE JUSTIÇA DO MPPR, PRESIDENTE DA ABRAMPA

Opinião por Paulo Moutinho

Pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)

Alexandre Gaio

Promotor de Justiça do MPPR, é presidente da Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa)