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Opinião|O governo Lula acabou. E depois?

Na indecisão do momento, o País afunda desgovernado. Precisamos reagir, garantindo melhores entregas políticas da democracia ao povo

Por Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.

É hora de pensarmos o futuro. As velhas forças políticas chegaram a um ponto de exaustão; além de não ser mais levada a sério, a política nacional perdeu por completo a aura de respeito e autoridade, corroendo o ideal democrático e a esperança das pessoas em dias melhores. Sim, a política perdeu encanto, levando consigo o lustro da democracia. O cidadão vota, mas o voto já não muda nada. O País apenas patina no atraso, na ignorância, no subdesenvolvimento, na imoralidade, nos conchavos, no pensamento pequeno e na falta de vergonha na cara. Insistir nesse enredo é temerário. É colocar a democracia brasileira no brete. É humilhar a cidadania, fazendo-a de capacho do desmando estabelecido.

A gravidade da circunstância não permite desvios retóricos. Sem cortinas, o governo Lula acabou, muito antes de chegar ao fim. Ninguém acredita no Planalto. Veja-se a tragédia no Rio Grande do Sul: o governo federal fez o teatro, mas esqueceu as pessoas na lama. Literalmente na lama. Promessas não faltaram e não faltam; todavia, na crueza da realidade, apenas temos o vazio de palavras fúteis despreocupadas com a dor das pessoas. É triste, é lamentável, é humanamente baixo. Mais uma vez, aqueles que se dizem preocupados com os pobres fazem pouco caso com a miséria absoluta; é simplesmente repugnante supor que a maior tragédia ambiental da história do Brasil possa estar sendo usada para fins eleitorais, especificamente para buscar eleger prefeitos alinhados com o Planalto sob o discurso da facilidade para liberação de recursos com vistas à reconstrução do Estado. A dor e o abandono das pessoas como arma de luta política espúria.

No plano internacional, também perdemos a pouca credibilidade de que dispúnhamos. Não é por acaso que o real definha e o dólar dispara. Ninguém mais quer comprar o Brasil porque simplesmente não se sabe qual será a próxima traquinagem do governo amanhã. Ao invés de cumprir seu dever e fazer aquilo que está a seu alcance – reduzir custo público, enxugar a administração e criar espaço de investimento –, o Planalto insiste em querer jogar o rojão no colo do contribuinte. Aí, despido de respaldo parlamentar, o governo perde recorrentemente no Legislativo, vendo fracassar suas febris tentativas de garrote tributário. Aqui, a mensagem é clara: a sociedade brasileira não mais aceita pagar tributos para a estrelada incompetência política.

Afogando-se no maremoto do desgoverno perdulário, a artilharia de impropérios foi então dirigida ao digno presidente do Banco Central (BC), de trabalho e postura modelar. Aliás, sob o comando de Roberto Campos Neto, o BC, para orgulho dos brasileiros, foi reconhecido como a autoridade monetária do ano pelo Central Banking Awards 2024. Incompreensivelmente, ao invés do esperado reconhecimento oficial do Planalto, o governo brasileiro, na vã tentativa de camuflar sua incompetência, preferiu abrir críticas infantis à correta política monetária nacional em curso. Entre fantoches e fantasmas, a estratégia do governo, além de desinteligente e institucionalmente baixa, cheira à naftalina das ideias soviéticas.

Ora, o Brasil e os brasileiros merecem um governo melhor e mais qualificado. Para tanto, a alternativa para a esquerda jurássica não pode ser uma direita bizantina. A burrice ama a estupidez, mas desenvolvimento e prosperidade exigem escolhas racionais. Objetivamente, para além de personalismos de ocasião, crescimento econômico consistente e ascensão social pelo trabalho dedicado requerem instituições sérias, regras claras e garantia de justiça.

O problema é que um país continental, de baixa escolaridade, fica vulnerável ao surgir de lideranças carismáticas com forte apelo emocional às massas; o getulismo, o lacerdismo, o brizolismo, o lulismo e o bolsonarismo são exemplos eloquentes. Todavia, nas complexas democracias contemporâneas, o carisma ajuda, mas não basta. Isso porque a tecnologia e a revolução da informação digital aproximaram o povo do fato da política, reduzindo o gap de reação ao acontecimento. Tal responsividade cívica tem crescido a instabilidade nos regimes democráticos, aumentando o grau de participação e cobrança popular nos assuntos públicos. Como a proximidade do povo assusta, o sistema de poder, por instinto de salvação, atua e, não raro, confunde autoridade com autoritarismo.

No apagar das luzes, não há ação direta de inconstitucionalidade que faça um bom presidente da República. Sabidamente, a boa liderança não cai do céu nem é obra do acaso. Resta saber se a elite do poder nacional – não a política – realmente deseja ter um país melhor e institucionalmente mais alto. Se sim, ainda há tempo de composição em torno de um nome capaz. Se não, o pós-Lula será algo muito parecido com o que somos hoje: um país especulativo, com ciclos pontuais de crescimento, crises agudas, estagnações prolongadas com pitadas de inflação ascendente. Na indecisão do momento, o País afunda completamente desgovernado, fazendo arder a indignação cívica. Precisamos reagir, garantindo melhores entregas políticas da democracia ao povo. Ou será que nas margens do Tejo as preocupações são outras?

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ADVOGADO, É CONSELHEIRO DO INSTITUTO MILLENIUM

Opinião por Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.

Advogado, é conselheiro do Instituto Millenium