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Opinião | O Holocausto e minha família

Não podemos nos esquecer das vítimas da perversidade nazista, pois, com elas, uma civilização quase desapareceu

Por Daniel Zohar Zonshine

5.728.051 é o número registrado de judeus assassinados durante o Holocausto. Além desses, outros 5 milhões de ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, maçons, dissidentes políticos e pessoas com deficiência também foram assassinadas, ainda que de forma menos sistemática, pelo regime da Alemanha nazista. Sem contar as mortes não registradas, são mais de 10 milhões de pessoas assassinadas por um ideal perverso de superioridade racial. Em 2023 marcamos 80 anos desde a rebelião do Gueto de Varsóvia, na Polônia, onde mais de 400 mil pessoas foram aprisionadas, e 78 anos da liberação do campo de extermínio de Auschwitz. Neste Dia Internacional da Lembrança do Holocausto (27 de janeiro), penso nos muitos membros da minha família que nunca conheci pois os perdemos naquela época.

Quando os nazistas invadiram Varsóvia, em setembro de 1939, meus pais viviam na cidade. Eles ainda não se conheciam, mas escaparam ao mesmo tempo para o leste, em direção à União Soviética, deixando suas famílias para trás. Um ano depois, em outubro de 1940, foi decretado o gueto que segregou os judeus do restante da população. Em novembro do mesmo ano, o gueto foi trancado e apenas pessoas com autorizações especiais podiam sair dele. Nessa época, meus pais estavam lutando para sobreviver em outros lugares – vivendo de bicos, em constante estado de alerta e prontos para fugir a qualquer momento.

Durante toda a guerra, meus pais foram mantidos afastados de seus amigos e famílias, e tentaram sobreviver como puderam. Os familiares do meu pai foram enviados para campos de concentração – os campos de trabalho forçado – onde judeus eram torturados, humilhados, usados para experimentos, assassinados com tiros e enviados para câmaras de gás para sufocar e agonizar até a morte. Foram tempos difíceis. Na minha família materna, a família London, perdemos meus avós, dois tios e duas tias. Ninguém além da minha mãe sobreviveu. Meus avós paternos também morreram e não sabemos o que aconteceu com eles. Apenas meu pai e sua irmã sobreviveram.

Apenas no dia 27 de janeiro de 1945 as tropas aliadas foram capazes de libertar os prisioneiros do campo de extermínio de Auschwitz, o maior e mais terrível de todos os campos de extermínio nazistas. Por esse acontecimento, marcamos em 27 de janeiro o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Não podemos esquecê-las, pois, com elas, uma civilização que existiu durante cerca de 2 mil anos quase desapareceu.

A criação do Estado de Israel foi o início do surgimento de um lugar onde judeus pudessem viver em paz, sem medo de professar sua fé e de criar suas famílias. Hoje, eu sou capaz de fazer algo que meus avós não puderam: acompanhar a vida e o crescimento de meus netos. E é isso que desejo a todos, uma vida longa e segura com sua família.

No entanto, sabemos que há muitos que ainda desejam nosso mal. Há gente que ainda acredita nos insanos ideais nazistas, inclusive aqui no Brasil. É impossível erradicar o antissemitismo totalmente, mas podemos manter antissemitas envergonhados, impotentes e em silêncio. Antissemitas começam a agir silenciosamente – disfarçando falas e ações, clamando que nossa interpretação foi incorreta, afirmando que não foi sua intenção. Aos poucos, se não nos mantivermos vigilantes, eles começam a disparar ideias racistas e criminosas como opiniões e a enganar outras pessoas para sair em sua defesa. Aos poucos, se não nos mantivermos vigilantes, sairão de seus esconderijos e atacarão seus diferentes. Não podemos deixar que tomem coragem para fazê-lo. E, caso o façam, devemos garantir que a Lei n.º 7.716/1989, contra preconceitos de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional, seja executada.

O crescimento do número de células neonazistas no Brasil e no mundo é estarrecedor, assim como o aumento da descrença no Holocausto, partindo de pessoas que – felizmente – não podem imaginar o horror de um campo de extermínio. Mas não podemos deixá-los vencer. É importante ensinar as gerações mais jovens sobre esse terrível fenômeno, com o aprofundamento do assunto nas escolas. Também é de grande importância a criação de museus e memoriais, como o recém-inaugurado no Rio de Janeiro, no Parque Yitzhak Rabin, em Botafogo, o Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto, em São Paulo, e o Museu do Holocausto, em Curitiba.

É essencial que não deixemos os 6 milhões de judeus e 5 milhões de minorias e dissidentes assassinados pela perversidade nazista que idealizou o Holocausto caírem no esquecimento, mas não apenas isso. Temos que garantir que falas racistas não sejam legitimadas em nome da “liberdade de expressão”. Liberdade de expressão não significa que se pode dizer e fazer qualquer coisa. Há limites e os preconceitos racial e religioso são dois deles. Nosso trabalho é garantir que não haja outro Holocausto.

Precisamos nos manter vigilantes.

Eu me lembro.

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EMBAIXADOR DE ISRAEL NO BRASIL, FOI EMBAIXADOR DE ISRAEL EM MYANMAR E CÔNSUL-GERAL EM MUMBAI, NA ÍNDIA

Opinião por Daniel Zohar Zonshine
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