A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi criada em janeiro de 2000, através da Lei n.º 9.961, ou cerca de um ano e meio após a sanção da Lei n.º 9656, que regulamenta esse setor. Como autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, a agência tem como finalidade institucional regular, normatizar, controlar e fiscalizar as atividades que garantem a assistência suplementar à saúde; promover a defesa do interesse público, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores; e contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no País.
No decorrer dos seus quase 25 anos de existência, dados da própria ANS mostram como o mercado vem se adaptando à regulamentação. Quando a agência foi criada, atuavam nesse setor 2.723 operadoras de planos de saúde, que possuíam cerca de 31 milhões de beneficiários, ou 18% dos 170 milhões de brasileiros da época. Em novembro de 2024, o número de empresas com beneficiários caiu para 909 (redução de 67%), e o de usuários da saúde suplementar saltou para 51,4 milhões, que representam 24% da atual população de 212,6 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Portanto, em duas décadas e meia, houve um incremento de 66% no número de usuários, mas a cobertura populacional da saúde suplementar cresceu 33%, pouco acima do crescimento registrado pela população brasileira, que foi de 25%.
O porcentual de beneficiários ligados a planos coletivos ou por adesão, que não têm o reajuste controlado pela ANS, é o termômetro que baliza esse crescimento. No final de 2000, esses planos possuíam 36% do total de beneficiários; hoje, detêm 83% deles, um aumento de mais de 130%. A concentração é outro fruto do mercado regulado: atualmente, 14 operadoras de planos de saúde, ou 1,5% das existentes, concentram 45% dos usuários.
A necessidade de regulamentar esse segmento é inquestionável, pois ele responde pela assistência à saúde de quase um quarto dos brasileiros e realizou, em 2023, segundo o Mapa Assistencial da Saúde Suplementar, 9,2 milhões de internações, 275,3 milhões de consultas médicas, 1,1 bilhão de exames diagnósticos e 79,9 milhões de terapias. É, portanto, parte integrante e importante do Sistema Único de Saúde (SUS).
As agências reguladoras desempenham papel valioso na democracia, na garantia da prestação de serviços e na defesa do consumidor. Por atuarem com autonomia e participarem de forma indireta da administração do Estado, buscam garantir assimetria entre os interesses dos usuários, das organizações envolvidas e do Poder Executivo. Por isso, a indicação para composição de suas diretorias deve sempre ser feita obedecendo a critérios técnicos, e nunca políticos, para que elas possam se empoderar e fazer o que deve ser feito.
No setor da saúde, de relevância notória para o desenvolvimento socioeconômico do País, a ANS tem uma missão importantíssima na defesa dos usuários e como protagonista da sustentabilidade do setor privado de saúde. O envelhecimento da população, o aumento das doenças crônicas, de casos relacionados à saúde mental, a incorporação profícua de novas tecnologias, o aumento da judicialização na saúde, a capacidade limitada de pagamento por parte dos beneficiários, o difícil relacionamento entre operadoras e prestadores e a ameaça iminente de novas endemias e pandemias, entre outros, são desafios que precisam ser seriamente discutidos para que os integrantes do complexo econômico e produtivo da saúde encontrem soluções consensuais. A agência pode e deve fomentar esses debates.
Certamente todos, sem exceção, terão de inovar, confiar uns nos outros, aprender a fazer melhor e diferente. Talvez essa missão não seja tão árdua, afinal, os grandes desafios da saúde já são conhecidos. Um provérbio japonês, porém, ensina que “tropeçamos nas pequenas pedras, porque as grandes a gente logo enxerga”. Que os que integram o ecossistema da saúde tenham bom senso e essa visão de curto e longo alcance, para o bem do setor, da sociedade e do País.
*
MÉDICO, É PRESIDENTE DA FESAÚDE-SP E DO SINDHOSP