De origem asiática, a cana foi introduzida em território brasileiro pelos portugueses por volta de 1530, depois de uma bem-sucedida experiência com a cultura na Ilha da Madeira e Açores. Para os portugueses, o cultivo da cana para produção de açúcar aliaria um produto altamente valorizado pelo mercado europeu, aproximadamente R$ 200 reais o quilo aos preços de hoje, a um forte estímulo à colonização do novo território. Acertaram na mosca e o Brasil viveu exclusivamente em função da cana-de-açúcar por pelos menos 200 anos.
As plantações se espalhavam pelas regiões costeiras, apoiadas por um sistema rudimentar e exploratório que incluía o trabalho escravo e técnicas primitivas de produção. Estima-se a produção de açúcar no período colonial, especialmente em engenhos baianos, em torno de 1.782 quilos de açúcar por hectare de cana cultivado, ante as 5 toneladas produzidas atualmente. Desde aquela época buscava-se aumentar a produtividade com a introdução de variedades com elevado teor de sacarose e grande rusticidade, haja vista que, mesmo depois do ouro e diamantes, do café e da borracha, a cana-de açúcar manteria relevância na pauta das exportações brasileiras.
As maiores revoluções no setor sucroalcooleiro começaram há cem anos, com as primeiras experiências do engenheiro químico doutor Salvador Lyra, na Usina Serra Grande, em Alagoas. Ele desenvolveu uma mistura de álcool, éter sulfúrico e óleo de mamona como combustível para motores, inaugurando a exploração do potencial energético da cana-de-açúcar no Brasil. Em 1969, a criação do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em Piracicaba, marcou um novo capítulo nesse avanço, ao promover pesquisas que, na década seguinte, dariam suporte à implementação do Proálcool. A introdução de variedades adaptadas a solos de baixa fertilidade e o controle de pragas e doenças permitiram que a produção saltasse de 46 toneladas de cana por hectare, em 1974, para 63 toneladas em 1982, chegando às atuais 80 toneladas. Assim como na exploração do Cerrado brasileiro, esses índices só foram alcançados graças a muita pesquisa e inovação.
Ao longo da sua história, o CTC vem contribuindo para o aumento da competitividade do setor sucroenergético, transformando-o de simples produtor de açúcar para líder em biocombustíveis e geração de bioeletricidade. O centro possui um dos maiores bancos de germoplasma de cana-de-açúcar do mundo, com mais de 4 mil variedades, por meio das quais são produzidas espécies de alta produtividade e com proteção contra doenças e pragas, totalmente adaptadas às regiões produtoras do País.
Atualmente, seu principal projeto é o desenvolvimento da cana-semente, desenvolvida em laboratório por meio da cultura de tecido. Depois de germinada, as plantinhas são encapsuladas com condições adequadas para o plantio. Uma técnica que promete substituir o uso convencional de toletes utilizados desde a época das capitanias hereditárias. Além da utilização de maquinário pesado, no método tradicional o produtor utiliza um volume expressivo da produção para o replantio. A cana-semente promete acelerar a renovação dos canaviais e aumentar a produtividade, que segundo especialistas tem um potencial teórico de 380 toneladas por hectare.
Nessa jornada, merece destaque também a Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa), criada em 1991 no Nordeste – outro importante polo de produção canavieira no Brasil. Formada por um consórcio de universidades federais, a Ridesa tem trabalhado com melhoramento genético da cana, promovendo pesquisas que visam a aprimorar a produtividade em solos mais desafiadores, característica de grande parte do semiárido nordestino. Atualmente, as variedades de sigla RB estão sendo cultivadas em mais de 65% da área com cana-de-açúcar no País.
O CTC e a Ridesa surgiram para atender a uma necessidade urgente de inovação no setor canavieiro, com foco em produtividade, mas foram além. O uso de biotecnologia para o desenvolvimento de variedades de cana que capturam mais carbono na atmosfera está contribuindo para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. A cana-de-açúcar possui uma capacidade de sequestro de carbono considerável, com potencial de capturar entre 10 e 30 toneladas de CO₂ por hectare, muito superior a outras culturas como soja e milho, o que justifica a ampliação do seu uso na matriz energética brasileira.
Esses centros de pesquisa estão impulsionando a economia circular no setor canavieiro, promovendo o uso de resíduos da cana para geração de energia e produção de fertilizantes, o que minimiza o desperdício e fecha o ciclo de produção. Em complemento, a captura de carbono e o aproveitamento integral da biomassa para bioenergia fazem com que o setor sucroenergético brasileiro, além de mais eficiente, se torne um modelo ecologicamente responsável.
Ainda há desafios no setor, especialmente a necessidade de mão de obra qualificada para operar novas tecnologias. No entanto, o investimento contínuo em ciência e tecnologia garante que o setor continue a evoluir. O trabalho dessas instituições será fundamental para manter essa trajetória de sucesso e inovação. Graças ao trabalho do CTC e da Ridesa, estima-se que a produtividade do setor canavieiro brasileiro dobrará nos próximos 20 anos.
A cana-de-açúcar, que moldou o passado colonial brasileiro, continua a desempenhar um papel estratégico no presente e no futuro do País. Por meio de ciência, tecnologia e práticas sustentáveis, o setor sucroenergético demonstra que é possível conciliar crescimento econômico com preservação ambiental, consolidando o Brasil como líder mundial na transição energética.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, CHEFE DE GABINETE DO SENADOR FERNANDO FARIAS (MDB-AL); E ASSESSOR DO DEPUTADO ARNALDO JARDIM (CIDADANIA-SP)