Opinião | O que dizem os números da Justiça do Trabalho de 2024?

Um fator que pode estar influenciando no aumento das ações consiste no tratamento das despesas processuais, especificamente quanto aos efeitos da sucumbência ou derrota no processo

Por Rogerio Neiva Pinheiro

A Justiça do Trabalho em 2024 contou com mais de 2 milhões de ações ajuizadas e atingiu a marca histórica de R$ 48,7 bilhões em volume financeiro de recursos pagos, o que comporta e exige algumas reflexões.

Quanto ao volume de ações, no ano de 2017, em que entrou em vigor a reforma trabalhista (Lei n.º 13.467/2017), foi atingida a marca de cerca de 2,7 milhões de ações ajuizadas. No ano seguinte, em 2018, esse volume caiu para cerca de 1,7 milhão de ações.

A partir de 2021, iniciou-se movimento de aumento, ano após ano, atingindo 2.117.547 ações ajuizadas na Justiça do Trabalho em 2024, ou seja, um aumento de mais de meio milhão de ações em três anos (de 1.550.539 ações em 2021 para 2.117.547 ações em 2024).

O senso comum indica que a causa do volume de ações na Justiça do Trabalho decorre do descumprimento da legislação trabalhista, bem como dos desligamentos dos empregados.

Em relação aos desligamentos, analisando a quantidade de ações ajuizadas e os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), constata-se que o volume de ações ajuizadas vem crescendo mais do que os desligamentos. Comparando 2023 a 2024, no primeiro ano foram 21.847.364 desligamentos e 1.855.273 ações ajuizadas, enquanto no segundo ano foram 23.873.575 desligamentos e 2.117.547 ações ajuizadas. Isto é, em 2024 houve aumento de 9,3% dos desligamentos e 14,1% das ações ajuizadas. Além disso, de 2022 a 2024 o peso das ações ajuizadas no volume de desligamentos vem aumentando, tendo sido de 8% em 2022, 8,5% em 2023 e 8,9% em 2024.

Mas um fator que pode estar influenciando no aumento das ações consiste no tratamento das despesas processuais, especificamente quanto aos efeitos da sucumbência ou derrota no processo.

A reforma trabalhista havia criado regra mais rigorosa sobre o pagamento de honorários advocatícios e periciais por parte de quem perde, sendo beneficiário da justiça gratuita. Na prática foram criadas condições mais efetivas para que houvesse o pagamento. No entanto, posteriormente, em outubro de 2021, a regra foi flexibilizada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.766. A reforma havia criado sistemática segundo a qual quem perde a ação teria consequências efetivas. E o STF desfez essa sistemática, tendo por fundamento a sua inconstitucionalidade.

Outro dado que pode corroborar o impacto do tratamento na gratuidade consiste no volume de processos julgados totalmente improcedentes (nos quais nenhum pedido é acolhido), comparado com os processos julgados totalmente procedentes (em que todos os pedidos são acolhidos). Enquanto em 2023 as sentenças de improcedência total corresponderam a 24% e as de procedência total foram de 14%, em 2024 as improcedências totais passaram a ser de 26% e a procedência total 12%.

Aumentaram os processos em que se concluiu que nada era devido e diminuíram os processos em que se concluiu que o autor da ação tinha razão em tudo o que alegava. Em termos absolutos, em 2024 foram 260.712 processos nos quais se concluiu que o autor da ação não tinha nenhuma razão. E nos dois anos a taxa de procedência parcial, que consiste na situação em que algum ou alguns pedidos são acolhidos e outros rejeitados, se manteve estável em 62%.

Além da quantidade de ações ajuizadas, outro dado da Justiça do Trabalho de 2024 que chama atenção consiste no volume de valores pagos aos reclamantes, isto é, a quantidade de dinheiro que saiu do caixa das empresas e foi para a conta bancária dos trabalhadores. No ano passado houve alcance da marca histórica de R$ 48,7 bilhões.

Parte desses valores é proveniente de acordos (R$ 20 bilhões) e parte de execuções (quase R$ 22 bilhões). Na execução o devedor é submetido à retirada de seu patrimônio pelo Judiciário, para garantir a quitação do débito judicial. O aumento mais expressivo em termos de volume financeiro, comparando-se com os anos anteriores, foi exatamente nas execuções. Em 2022 foram R$ 14,9 bilhões pagos em execuções, enquanto em 2024 foram R$ 21,98, ou seja, de 2022 para 2024 houve aumento de quase R$ 7 bilhões.

Isso pode ser explicado pelo esforço da Justiça do Trabalho de utilizar recursos tecnológicos para a investigação patrimonial, além de políticas judiciárias como o funcionamento da Comissão Nacional de Efetividade da Execução, que busca promover esforços e articulação para que as condenações resultem em pagamento.

Isso significa que, atualmente, está mais difícil ocultar patrimônio da Justiça do Trabalho. E por conta disso, a lógica de “jogar o processo para frente”, na expectativa de que no futuro o devedor não seja incomodado, tende a não funcionar. Ao mesmo tempo, passa a ser uma medida mais recomendável a avaliação, por parte das empresas reclamadas, da possibilidade de resolver o processo por meio do acordo.

Mas, independentemente das compreensões que se possa ter sobre os dados, o fundamental é que sejam considerados e estudados, para subsidiar a avaliação de medidas que possam ser adotadas para que o Sistema de Justiça funcione de forma efetiva e adequada.

Opinião por Rogerio Neiva Pinheiro

Juiz do Trabalho, mestre e doutor em Ciências do Comportamento, é autor do livro 'Técnicas e Estratégias de Negociação Trabalhista'