Por mais surpreendente que possa parecer, e apesar das várias ameaças que sofreu, o destaque do ano de 2024 foi, ao meu ver, a democracia. Essa sim deveria ter sido reconhecida como a “personalidade do ano”.
Cerca de 2 bilhões de votos foram depositados em urnas espalhadas pelo mundo, em mais de 70 países tão diversos como Tuvalu e Senegal, além, claro, das duas maiores democracias do mundo, Índia e Estados Unidos.
Segundo o Financial Times, em um de seus principais artigos de final de ano, os resultados das eleições deram um veredito condenatório sobre os detentores de cargos públicos. Em particular, “os governos de cada um dos 12 países ocidentais desenvolvidos que realizaram eleições nacionais em 2024 perderam votos nas urnas, a primeira vez que isso aconteceu em quase 120 anos de democracia moderna”.
Titulares ou não, os centristas foram frequentemente os perdedores, pois os eleitores apostaram em partidos radicais de ambos os flancos. A direita populista em particular avançou, alimentada em parte significativa por uma mudança para a direita entre os jovens. Sem mencionar as ameaças vindas das redes sociais, as fake news e os discursos de ódio que reforçam os extremos e a polarização.
Claro que houve também inúmeras irregularidades em diversos pleitos, com dúbias vitórias, marcadas por escândalo de corrupção, compra de votos, ausência de liberdades de expressão e transparência, coerção, entre outros abusos. Em muitos casos, como na Venezuela, falharam aqueles que reconheceram o pleito, ou mesmo deixaram de questionar de forma mais explícita o resultado das eleições.
No Brasil, as eleições municipais também demonstraram uma certa alteração de rota, com vitórias expressivas do chamado “Centrão” e, contrariamente ao que se viu na maioria dos países desenvolvidos, a derrota de candidatos mais radicais, sejam eles de direita ou de esquerda. Mas aqui também a manifestação clara por mudança se verificou.
Já no ano de 2025 a pauta que deverá dominar as discussões globais está mais voltadas às questões econômicas, mudanças climáticas e como lidar com o avanço da extrema direita. Afinal de contas, os resultados das eleições pintaram um quadro de eleitores irritados com a inflação recorde, fartos da estagnação econômica, inquietos pelo aumento da imigração e competição nos mercados de trabalho, e cada vez mais desiludidos com o sistema como um todo.
Nos EUA, ainda é difícil prever como será na realidade a “trumpeconomics” ou “maganomics”, e quais impactos terão na economia as políticas protecionistas de Trump. Além disso, suas primeiras decisões em relação ao combate às mudanças climáticas, emissão de gases do efeito estufa e o Acordo de Paris seguem causando calafrios naqueles que se preocupam com o futuro do planeta.
Da mesma forma, é difícil prever se a China conseguirá retomar sua vocação de crescimento ou, com o estouro da bolha imobiliária, alto endividamento das províncias e baixo consumo, o país seguirá uma trajetória de estagnação ocorrida no Japão dos anos 1980. E se a Alemanha conseguirá voltar a ser a locomotiva da Europa, ainda que sofra com as consequências da guerra na Ucrânia, incertezas na política interna com avanço da extrema direita e restrições monetárias.
Do lado mais positivo, a economia indiana deve ficar relativamente isolada contra choques globais. Segundo economistas do Goldman Sachs, “a história de crescimento estrutural de longo prazo para a Índia permanece intacta, impulsionada por demografia favorável e governança estável”.
E o Brasil? Os desafios permanecem enormes. As projeções colocam os juros no primeiro semestre em patamares insustentáveis no longo prazo, para combater uma inflação que deverá ficar acima da meta e com o dólar “acomodando-se” em níveis elevados. Os desafios da dominância fiscal e a trajetória da dívida pública permanecem como os grandes desafios do atual governo, que parece não perceber os riscos, erros e consequências de sua política expansionista. O País estará ainda no centro das atenções durante a COP-30, que terá a difícil tarefa de impulsionar o progresso no Acordo de Paris sem o apoio do maior emissor histórico do mundo.
Com o nosso Orçamento engessado e sem espaço para grandes alterações, teremos de enfrentar os principais desafios de nossas contas públicas, a saber: a Previdência, os enormes subsídios a determinados setores da economia e à folha de pagamentos e a reforma administrativa do setor público.
O Estado brasileiro, com suas deficiências, assim como com as políticas públicas necessárias ao enfrentamento dessas distorções, acaba se tornando o maior concentrador de renda e benefícios para uma camada privilegiada da população. Ao fim e ao cabo, as classes menos favorecidas são as que mais sofrem nesse cenário, com inflação, juros altos e a redução de alguns pontos porcentuais no nosso pífio crescimento econômico.
O ano se inicia com a dolorosa lembrança em 8 de Janeiro dos tristes episódios ocorridos há dois anos, que reforça nosso compromisso com o afastamento de qualquer forma de regime totalitário. Entretanto, 2025 começa também com uma bela homenagem à democracia, com as três indicações ao Oscar para Ainda Estou Aqui e o merecido Globo de Ouro de Fernanda Torres.
Assim como a democracia se manifestou de forma clara em 2024, espero que ao final deste ano possamos atender a parte dos anseios depositados nas urnas e comemorar avanços econômicos reais, contrários às expectativas reinantes neste início de 2025. Mesmo com as constantes ameaças, sempre há esperança na construção de uma democracia mais justa e uma economia mais sustentável, que reduza as desigualdades, enfrente as mudanças climáticas e crie mais oportunidades para nós brasileiros.
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PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO MOVIMENTO BEM MAIOR, É MEMBRO DO CONSELHO CONSULTIVO DO UNICEF BR