Para garantir que a floresta permaneça de pé, é necessário atribuir-lhe valor, o que pode ser alcançado de três formas. O primeiro caminho é o pagamento por serviços ambientais, com o carbono como um dos pilares desse modelo, já que a floresta, ao armazenar carbono, torna-se uma aliada no combate às mudanças climáticas, oferecendo um serviço global que deve ser remunerado. O segundo é o fortalecimento de mercados para produtos da floresta, como frutos, óleos e plantas medicinais, alternativas sustentáveis com valor crescente em mercados que buscam recursos alinhados à conservação da biodiversidade. O terceiro envolve a exploração de madeira de forma sustentável, por meio de manejo florestal responsável. Essas três estratégias não competem entre si e são complementares, formando um sistema econômico robusto no qual a floresta em pé é uma solução estratégica para os desafios climáticos e um motor para o desenvolvimento sustentável.
A partir da década de 1980, a Amazônia se tornou a principal região produtora de madeira nacional, representando mais de 80% do total extraído no País. Quatro décadas depois, a grande maioria da madeira extraída da região ainda tem origem predatória. Atualmente, somente cerca de 10% do total dos 12 milhões de metros cúbicos de madeira extraídos por ano (o equivalente a 3 milhões de árvores) provêm de manejo florestal.
Entretanto, um importante desafio enfrentado pelo setor madeireiro na Amazônia é um nível de controle ineficaz que permite que produtos ilegais sejam comercializados através de fraudes documentais. Esse cenário não apenas incentiva a exploração predatória, mas também dificulta a rastreabilidade e a credibilidade dos produtos no mercado.
O novo estudo do projeto Amazônia 2030, intitulado O manejo de florestas naturais e o setor madeireiro da Amazônia brasileira: situação atual e perspectivas, aborda os desafios do setor e as recomendações para torná-lo mais sustentável. A madeira em tora é o principal produto extrativo da Região Norte, com cerca de R$ 3,2 bilhões por ano e aproximadamente 70 mil empregos. E, portanto, representa uma opção de geração de renda a partir da floresta em pé desde que opere via manejo florestal. No manejo florestal apenas de três a cinco árvores por hectare (de um total de mais de 400 árvores existentes em um único hectare) são extraídas. É uma operação de baixo impacto ambiental que permite que a floresta seja capaz de se regenerar. Além disso, o manejo é capaz de manter a floresta conservada em relação aos níveis de carbono, de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos.
Para garantir o suprimento de madeira de forma sustentável é necessário alocar cerca de 25 milhões de hectares (equivale apenas a 7% das florestas existentes na Amazônia). Atualmente só temos 3 milhões de hectares manejados de modo responsável na Amazônia. O mecanismo mais promissor para atingir essa meta é através das concessões à iniciativa privada nas florestas nacionais e estaduais já existentes, seguindo as regras da lei de gestão de florestas públicas. Para isso, entretanto, será necessário ampliar o ritmo de implementação dessas concessões.
Uma segunda alternativa é o ganho de escala no fomento ao manejo florestal promovido por comunidades tradicionais da Amazônia, o que ampliaria o engajamento dessas populações no setor florestal e permitiria a melhoria de sua qualidade de vida (renda e empregos). Existe uma ampla área de terras públicas detidas por comunidades na Amazônia que poderia ser usada racionalmente para isso.
O manejo florestal depende também do fim do desmatamento. Enquanto houver oferta abundante de madeira predatória oriunda de desmatamento torna-se difícil avançar com o manejo florestal na escala necessária. Para enfrentar esse desafio, é fundamental adotar medidas que fortaleçam o combate à exploração ilegal de madeira. Paralelamente, é importante priorizar, nas compras institucionais brasileiras, mecanismos que encorajem o consumo de madeira manejada e certificada. Por exemplo, a madeira nativa pode ser um insumo chave no setor de habitação, seja como material estrutural, seja como pisos e esquadrias. Desse modo, a madeira representa a melhor alternativa para a criação de cidades sustentáveis que se alinhem aos compromissos climáticos do Brasil.
Também é oportuno discutir avanços na agenda industrial de beneficiamento dos produtos de madeira. Hoje há uma limitada utilização da diversidade florestal. Apenas 20 espécies (2% da diversidade total de espécies da região) são amplamente utilizadas pela indústria.
Com base no manejo florestal e na legalidade, a indústria madeireira da Amazônia pode contribuir fortemente para o desenvolvimento sustentável da região através do emprego de maior tecnologia, inovação e diversificação produtiva. Essa nova indústria também ampararia a ampla diversidade de investimentos que vêm sendo dirigidos para a restauração de florestas. Em suma, o setor florestal tem o potencial de passar de problema para solução em uma nova economia da Amazônia.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, SECRETÁRIO-EXECUTIVO DO INSTITUTO FLORESTA TROPICAL ‘JOHAN ZWEEDE’ (IFT); E COFUNDADOR DO IMAZON, COORDENADOR DO PROJETO AMAZÔNIA 2030