E cá estamos, o País a quem a corrupção e um jornalismo “corporate” sem osso cassaram a voz própria, reduzidos a assistir pela TV ao nosso destino ser traçado.
Conforme mil vezes prometido, do jeitinho que foi prescrito e está escrito, a cobra morde o rabo com a fuga dada aos 2ésleys. A ressaca da Queda do Muro, o caminho da ressurreição da esquerda latino-americana pela apropriação dos bancos públicos e fundos de pensão apontados a Lula e José Dirceu por Luiz Gushiken, a operacionalização do esquema com a gazua dos “campeões nacionais” da roubalheira, a desmoralização da política solapada por dinheiro bastante para comprar a metade do mundo, a infiltração do Judiciário ao longo de 13 anos de nomeações, tudo faz parte de um roteiro cuja propriedade intelectual tem sido reconhecida e reverenciada onde quer que sobrevivam ditaduras.
A longa marcha começa nos meados dos 90 pelo controle dos sindicatos de bancários. A “PT-Pol”, de “polícia”, como a chamavam as redações da época, passa a bisbilhotar as movimentações bancárias do País inteiro e a vazar seletivamente para os jornais os maus passos dos adversários. Um cultura estava nascendo. É pouco a pouco que o jornalismo investigativo se vai entregando à guerra de dossiês.
A vida informatizada traz o esquema para a era do “grampo”. O “mensalão” é o último episódio em que se diferenciam nuances. Flagrado o lulismo em delito de “corrupção sistemática dos fundamentos da República com vista à imposição de um projeto hegemônico”, restava deslocar o foco do todo para as partes e ir daí para a indiferenciação.
É esse o ponto de não retorno: caixa 1, caixa 2, propina, tudo vai, insidiosamente, sendo feito “sinônimo” uma coisa da outra. E aí está a política presa inteira na arapuca, igualada ao pior de si mesma.
Daí para a frente é poder contra poder. E velocidade passa a ser o que decide. Com todos os eleitos (com passagem obrigatória, portanto, por algum “campeão nacional” de financiamento de campanhas) devidamente filmados e gravados basta, doravante, escolher o que publicar. Não é preciso provar mais nada. Não importa o que se disse e mesmo quem o disse em cada gravação. O contágio é por contato. Basta formar os pares. Diante dos avatares murmurando frases entre reticências sobre o cenário de fundo de rios de dinheiro correndo pelo chão, da cena mil vezes repetida do sujeito “ligado a” recebendo furtivamente uma mala, onde enfiar raciocínios com mais de três palavras sobre quem as tem recheado há tanto tempo com tanto dinheiro, e para quê?
Mas o País insiste em se fazer essa pergunta. O Brasil inteiro sabe que tem alguma coisa no ar além das notas voando das vinhetas da televisão. Só que continua órfão de pai e mãe. Não tem quem fale por ele, mas resiste como pode ao salto no escuro para o qual o empurram com tanta pressa. Nega-se às ruas para as quais o conclamam diariamente em prosa e verso. É nada menos que atroador o seu silêncio diante das circunstâncias.
Já o Brasil com voz – que não conduz, deixa-se conduzir – vai no arrasto de uma espiral de ódio. Quem não está na conspiração ou está bebendo vingança, ou está agarrado pelo silogismo moral em que a conspiração quer todo aquele que não “é”. Ninguém interroga os fatos; tudo é sempre empurrado para o “se”, o “quando”, ou o “de que jeito” se conseguirá torná-los consumados como se fosse certo que o sol da democracia renascerá amanhã.
Não é. Há dois Brasis caminhando para um confronto e só um deles sobreviverá. Ou o da “privilegiatura”, reduzindo o da meritocracia à escravidão, ou o da meritocracia, reduzindo o da “privilegiatura” à igualdade. Os dois juntos não cabem mais na conta. Há também dois Judiciários funcionando em paralelo. Um que, tropeçando pelo cipoal legislativo e processual, investiga, colhe provas, processa e condena a partir de Curitiba numa velocidade que comporta credibilidade e tem no horizonte o respeito aos limites do contrato social. E o outro. Há, por fim, dois Legislativos e dois Executivos. Em ambos há quem, tendo jogado o jogo da política como ele é, olha agora inequivocamente para o Brasil e procura saídas. E há os que, na sua fé cega no lado escuro do bicho homem, só olham para Brasília ou para Miami. O problema é que todos têm pelo menos um pé enfiado na “privilegiatura” e nenhum faz força para desatolá-lo.
Vai ser preciso repensar isso. E rápido. Morta a última esperança, o País, na melhor hipótese, está paralisado de novo até outubro de 2018. Nem vale a pena especular sobre o depois. A carga de novas misérias já contratadas nesta beira do caos de que partimos é muito maior do que a que podemos suportar sem nos despedaçarmos. E o Legislativo já tem tido de engolir cala-bocas demais para acreditar que poderá sobreviver a isso com embarques e desembarques espertos ou pedindo ao povo que aplauda o seu apelo por mais sacrifícios.
Já o juiz venezuelizante é o milico de 64 modelo 2017, mas sem a reserva moral. Cava a entrada no jogo by-passando a regra porque é imoral. E este é vitalício. Não tem compromisso nenhum com o instituto do voto nem com a ideia de representação.
É essa a escolha que há. E metade dela já foi feita sem que fôssemos consultados...
Este é, porém, um daqueles raros momentos da História em que a necessidade faz tudo convergir para um ponto com tanta força que até os milagres se tornam possíveis. O único programa econômico que pode fazer o Brasil reviver é também o único programa político que pode redimir a política. Os dois consistem no enfrentamento da “privilegiatura”, o ralo de todos os ralos da economia e o ponto de origem e de destino de toda essa corrupção.
Reforma da previdência “deles”, igualdade, referendo, “recall”. Se propuser à Nação um compromisso sério para mudar definitivamente o sentido dos vetores essenciais de força que atuam sobre o “sistema”, o Legislativo irá de vilão a herói em um átimo e faltarão ruas para as multidões dispostas a entrar nessa briga com ele, com uma força muito maior que a necessária para decidir a parada.
Se não...
*Jornalista, escreve em www.vespeiro.com