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Opinião | O valor da experiência

Diante dos desacertos da nossa política, nada pior do que decisões fundadas na raiva

Por MIGUEL REALE JÚNIOR

A radiografia do atual instante do processo eleitoral traz imagem borrada. Há larga indiferença e grande perplexidade, com número significativo de indecisos. Começam a existir, todavia, interesse e preocupação em fazer uma escolha sopesada. Assim, mesmo no embaçado, podem-se distinguir algumas relevantes circunstâncias.

A intenção de voto dos líderes das pesquisas (Lula e Bolsonaro) é fruto de posições meramente emocionais, adotadas sem reflexão. Lula, apesar de preso, condenado, com mais cinco processos criminais a enfrentar, alguns graves, recebe assim mesmo apoio como fruto da memória do seu mandato, quando, herdeiro da estabilidade econômica e graças ao boom da economia mundial, houve emprego e programas sociais para os mais pobres. Todavia, sem investir em infraestrutura, não preparou o futuro, ao se contentar em incentivar o consumo e a consagrar exonerações fiscais, sem contar o prejuízo da instituição da corrupção sistêmica.

A degringolada da economia e a irresponsabilidade fiscal do governo Dilma, que levaram à mais grave recessão, não atingem Lula, recaindo em boa parte sobre as costas de Temer, que veio tentando consertar os descalabros da “presidenta”. Assim, a figura messiânica de Lula perdura. Não será candidato, evidentemente, mas alimenta essa possibilidade para não esfacelar de vez o PT antes do início do processo eleitoral. Pensar em eleição com Lula é, isto sim, uma fraude para com os eleitores. No entanto, será difícil na última hora transferir votos a terceiro, pois a adesão a Lula é de caráter pessoal, quase religiosa no Nordeste.

Por sua vez, o voto no deputado Bolsonaro é fruto de ressentimento contra os desmandos da nossa política. Nada o qualifica, pois foi um parlamentar medíocre, despreparado, que encontra sossego no livro de cabeceira do torturador major Ustra. Seu nome cresceu por causa das redes sociais, vendendo a imagem de ser contra o sistema, com desprezo em face das instituições democráticas, levando criancinha a posar em seu colo fazendo o sinal de revolver com a mão. Dos nossos imensos problemas institucionais, sociais e econômicos, nada diz e nada sabe. O voto em Bolsonaro é um voto com o estômago, de revolta, impensado, contra tudo, sem ser a favor de nada. Voto filho da raiva, não do convencimento, razão pela qual Bolsonaro tem elevada rejeição.

Se a eleição estava fora da preocupação, todavia, começa-se a pensar com seriedade na questão, como revela pesquisa do Instituto Ipsos publicada neste jornal em 28 de julho: cresceu a importância do candidato experiente, passando a opção por político veterano a ser de 50%, em face de 44% que preferem um nome novo na política. Danilo Cersosimo, do Instituto Ipsos, declarou: “Experiência política e administrativa vão acabar pesando muito na campanha”.

Nesta linha, ganham espaço os candidatos ex-governadores. Ciro Gomes, todavia, enforcou-se na própria língua. Restam Álvaro Dias e Geraldo Alckmin, apresentando, este, no entanto, altíssimo nível de rejeição por causa do repúdio ao PSDB. Sendo esta uma eleição casada, ao contrário da de 1989, é importante o candidato a presidente ter apoio nos candidatos a deputados estadual e federal, senador e governador. Mas a coligação não se pode ampliar de modo irrestrito, pois é contraproducente ao reproduzir a velha política, unindo partidos apenas por interesses em cargos e posições, sob as bênçãos de políticos condenados no mensalão ou envolvidos no petrolão, as antigas raposas do Brasil, acostumadas a usufruir do poder.

Noticiou-se repetidamente que Álvaro Dias viria a integrar, como candidato a vice, a chapa de Alckmin, que reuniu em torno de si o chamado Centrão, símbolo da política carcomida que vitima o País. Em face dessas informações, Álvaro Dias, no domingo passado, em nota publicada pelo site O Antagonista, negou essa possibilidade: “Eu seria um pulha se aceitasse ser coadjuvante de um ajuntamento de siglas e na empreitada de preservar o circo que abrigou todos esses espécimes da velha política. Eu seria igual a todos os outros”.

Domingo passado, em restaurante ainda vazio ao meio-dia, garçons, homens e mulheres, reuniram-se em torno de mim para sofregamente perguntar em quem se deveria votar, a demonstrar ter começado o processo racional de escolha. Declarei minha opção em favor de Álvaro Dias, exatamente por reunir ética e experiência com proposta de renovação. Li, então, para os garçons a nota expendida naquela manhã, acima reproduzida, recebida com reflexões e juízos de valor positivos.

Se alvissareiro tal episódio, é cedo ainda, no entanto, para imaginar que os destinos do País decorrerão de processo mínimo de avaliação de competência, de conhecimento das propostas no plano político institucional e de gestão.

Diante deste quadro, no qual ainda prevalece a emoção, caberá à imprensa esclarecer a população sobre o que de concreto e de sério traz cada candidato, não só submetendo os postulantes a entrevistas, mas fazendo críticas, tecendo observações incisivas sobre a figura e as propostas de cada um. É papel importante da imprensa, por seus meios tradicionais (jornal, rádio e televisão), mas principalmente por via dos canais, blogs e sites de internet, buscar reduzir o grau de irracionalismo que invadiu a esfera política, viabilizando um mínimo de razoabilidade na escolha de quem vai governar.

Cumpre à imprensa ajudar a evitar dois perigos: o aventureirismo de pretensos salvadores da pátria, que esgrimem adjetivos ao sabor do descontentamento geral; e a indiferença que consagra o sistema de poder baseado no aparelhamento da administração em vista de escusos interesses de elites irresponsáveis. Diante dos desacertos da nossa política, nada pior do que decisões fundadas na raiva ou submissas aos velhos caciques. O Brasil precisa de renovação sem aventura.

*ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA