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Opinião|O viés da palavra câncer: combate ao estigma

A jornada do paciente evoluiu tanto que já não faz sentido associar o câncer a uma sentença de morte ou a uma guerra interminável. E muito menos utilizá-lo como adjetivo para algo sem cura

Por Victor Piana

Receber um diagnóstico de câncer é uma experiência que não vem com manual de instruções. É desafiador lidar com a notícia e, mais ainda, se preparar para o que está por vir. A própria palavra câncer não é uma palavra que as pessoas gostam de pronunciar, porque carrega um estigma e um peso, decorrentes de décadas de desinformação.

O estigma se reflete em expressões cotidianas. Quem nunca falou ou ouviu algo como “aquilo ali é um câncer para o País”? Não vamos menosprezar a doença que é, sim, complexa e pode ser o ponto final para muitas pessoas. Porém, precisamos ressaltar que os avanços em prevenção e tratamento são enormes e tornaram o diagnóstico cada vez mais promissor. É hora de reduzir a carga negativa que a palavra câncer carrega, pois, além de perpetuar desinformação, contribui para o isolamento emocional e psicológico de quem convive ou acompanha alguém nesse processo.

A meu ver, o câncer caminha para se tornar algo cada vez mais gerenciável, a ponto de o termo deixar de ser visto como um adjetivo ou sentença.

Ao analisarmos a evolução da abordagem oncológica, podemos identificar três fases distintas. Na primeira fase, o diagnóstico de câncer era visto como o fim da linha, uma sentença de morte ou uma fatalidade. Os médicos monopolizavam o tratamento, e a quimioterapia, com seus efeitos colaterais debilitantes.

Na segunda fase, o câncer passa a ser inserido num contexto de campo minado, como um inimigo que precisa ser derrotado. O vocabulário passa a ser bélico: falamos em “luta”, “batalha” e “combate” ao câncer.

Na fase atual, entramos numa outra abordagem. Vivemos um momento no qual a jornada do paciente, desde o diagnóstico até a remissão, evoluiu tanto que já não faz sentido associar o câncer a uma sentença de morte ou a uma guerra interminável. E muito menos utilizá-lo como adjetivo para algo sem cura. Atualmente, muitos tipos de câncer são tratados como doenças crônicas, com as quais é possível conviver.

Compreender o câncer e seu significado não é mais sobre viver em função da doença, mas tratá-la para viver mais e melhor. Cada paciente, incluindo crianças e adolescentes em formação, é um indivíduo com uma história e trajetória únicas. Essa combinação é o que traz as melhores taxas de cura e sobrevida.

Tratar o câncer como algo terminal ou como uma guerra é uma violência silenciosa que abala a autoestima de quem está em tratamento. Medo e incerteza são naturais, mas, quando amplificados pelo estigma social, tornam-se fardos cruéis.

O primeiro passo para mudar essa realidade é disseminar informações precisas sobre o que significa viver com câncer, destacando que essa não é mais uma condição implacável. Campanhas de conscientização são essenciais, mas precisamos de uma transformação mais profunda e genuína no discurso e nas atitudes diárias.

O câncer não é uma sentença de morte, mas um desafio que milhares de pessoas superam todos os dias. O sucesso na oncologia é um paciente plenamente funcional e livre de preconceitos, capaz de atuar em alta performance e ressignificar sua vida para melhor após o câncer.

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MÉDICO PATOLOGISTA, É DIRETOR-GERAL DO A.C.CAMARGO CANCER CENTER

Opinião por Victor Piana

Médico patologista, é diretor-geral do A.C.Camargo Cancer Center

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