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Opinião | Operários, salários e sindicatos

Sindicato único, investido pelo Estado do monopólio de representação, com arrecadação compulsória, não combina com a sociedade livre e pluralista prevista na Constituição

Por Almir Pazzianotto Pinto

Façamos algum esforço para imaginar o dia a dia de um modesto operário. É casado, tem três filhos pequenos. Ganha em torno de R$ 9,50 por hora. Reside na periferia de São Paulo, em viela mal iluminada, sem esgoto e sem água tratada. O casebre tem sala, quarto, banheiro e cozinha. Paga R$ 500,00 de aluguel. Toma duas conduções para ir e voltar do serviço.

Levanta-se às 5 horas, para entrar no trabalho às 7 horas. Deixa a fábrica às 17 horas. Se não chover e o trânsito estiver descongestionado, às 19 horas estará de volta para magro jantar com a família. Distrai-se com a TV. Assiste a programas evangélicos. Ignora o noticiário político. Não compreende a linguagem jornalística e desacredita o que ouve e vê.

Trabalha 35 dias para receber o pagamento correspondente ao mês anterior no quinto dia útil do mês seguinte. Se tiver sorte, fará algumas horas extras, ou bico, nos domingos. O holerite é preenchido de forma incompreensível.

Localizada na zona leste, a fábrica tem 20 empregados. Resiste à brutal carga tributária, à insegurança jurídica, às concorrentes maiores e modernas, à invasão de produtos chineses. O receio maior do patrão é o famigerado passivo oculto.

A vida deste homem simples e decente não conhece mudanças. Terá um mês de férias, mais um terço, gozadas em casa. Aproveitará para fazer reparos domésticos. Se houver dinheiro, visitará parentes no interior distante do País, de onde veio à procura de melhores condições de vida. Serão três dias de ônibus, com paradas para refeições de estrada e se aliviar no banheiro do posto de gasolina.

Depois de pagas as despesas com aluguel, arroz, feijão, gás de cozinha, óleo de soja, pouca mistura, pó de café, luz e material escolar, com o que lhe resta poderá adquirir roupa para a mulher e os filhos na região da Rua 25 de Março, ou do Largo de Santo Amaro, onde encontrará artigos baratos. Em dezembro, com parte do 13.º salário, pagará dívidas; o que sobrar será gasto em brinquedos para as crianças e no panetone do Natal.

A companheira faz prodígios que os economistas não conseguiriam entender. Pesquisa preços no atacadão do bairro, no armazém próximo, no final da feira aos sábados, na quitanda, na farmácia. Foge dos supermercados. Um pedaço de carne de segunda, ou de frango, manteiga, frutas, uma garrafa de suco são comprados para os domingos. Do gasto mensal, em torno de 20% vai para o governo. A família desconhece luxos como azeite de oliva, vinagre de maçã, bacalhau, salmão, picanha ou outro corte de primeira qualidade.

Gorda fatia do salário é recolhida pela Previdência. Sem o direito de recusa, contribui para o INSS, com a vaga esperança de minguada aposentadoria na velhice. Salário é salário, não é rendimento. Ainda assim, está obrigado a recolher Imposto de Renda.

Libertá-lo da contribuição sindical obrigatória – o velho Imposto Sindical – foi ato de sabedoria e caridade. A perda de um dia de pagamento sempre lhe causou prejuízo irrecuperável. Exerce o direito de não se sindicalizar, embora ignore que se trata de garantia constitucional. Desconhecendo a localização do sindicato, o que faz e quem o preside, prefere se congregar na igreja mais próxima, pagar o dízimo, participar do culto no fim de semana, conviver com os irmãos e ouvir leituras da Bíblia pelo pastor, pessoa igual a ele.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) destinada a criar modalidade espúria de Imposto Sindical desperta no trabalhador um sentimento de revolta contra o governo que o impõe, o empregador que o debita e a entidade que não o representa. O primeiro impulso será no sentido de defender o salário. Como? Protestar no sindicato, após cansativo dia de serviço? Já lhe disseram, porém, que, se for, perderá dinheiro e tempo. Ouvirá tantas exigências que desistirá.

O que levou ministros do STF a tomarem a pérfida decisão, senão a ignorância da vida do operário e a ilusória visão da estrutura sindical?

Matéria publicada pelo Estadão recentemente (16/9, B4) assinala que em dez anos os sindicatos perderam 5,2 milhões de filiados. Embora o número de trabalhadores tenha aumentado 4,9%, de 2019 para 2022, o total de sindicalizados caiu 12,7% no mesmo período. Na última década, a redução foi de 36,6%. Apenas 9,6% dos trabalhadores são sindicalizados. O fenômeno resulta do medo do desemprego, da falta de legitimidade das lideranças, do entrelaçamento de sindicatos e centrais com o submundo dos partidos políticos, do desencanto com aqueles que deveriam representá-los.

Para se recuperar e tentar ser autêntico e forte, o movimento sindical deve abandonar práticas autoritárias legadas pelo Estado Novo (1937-1945) e empreender esforços no sentido de se modernizar. É sabido que o modelo da Carta de 1937, levado à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, está em conflito com as legítimas aspirações democráticas de trabalhadores e patrões. Sindicato único, investido pelo Estado do monopólio de representação, com arrecadação compulsória, não combina com a sociedade livre e pluralista prevista na Constituição.

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ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST)

Opinião por Almir Pazzianotto Pinto