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Opinião | Os entraves ao avanço da educação técnica

A disputa ideológica que leva a mudanças a cada troca de governo é o fator que tem mais visibilidade e que mais gera confusão, cansaço e ceticismo no nível das unidades escolares

Por Isaías Pascoal

Este Estadão, periodicamente, tem se referido ao papel da educação, sobretudo da educação técnica, como fator importante para o desenvolvimento social e econômico do Brasil. No dia 27 de novembro de 2023, em editorial intitulado Receita para sair da mediocridade, afirmou que “países desenvolvidos investem para que alunos cursem o ensino profissional junto com o médio. Não à toa, também alcançam melhores resultados em produção e competitividade”.

Houve avanços no número de matriculados, na abertura de escolas técnicas e no aporte de recursos financeiros pelo setor público ao ensino profissional, mas eles são lentos demais para responder às demandas impostas pelo desenvolvimento do País. Enquanto na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a média de matrículas fica em torno de 40%, no Brasil não chega a 10%.

O que está acontecendo? Há um conjunto de fatores que atuam para tornar lento o ritmo de mudanças no setor: a dificuldade dos Estados de responder convenientemente à demanda, por se tratar de um tipo de ensino mais caro que o tradicional ensino médio; a falta de tradição da maior parte dos Estados na área da educação técnica, que parece funcionar melhor em instituições específicas; o desinteresse da iniciativa privada em investir num tipo de ensino que exige maior investimento; o tradicional preconceito contra a formação técnica, em razão do academicismo e do bacharelismo que imperam no campo educacional brasileiro há muito tempo e que custam ceder; um desenho curricular dos cursos técnicos que precisa ser repensado; e as visões antagônicas do que deve ser e de como deve se organizar o ensino técnico, frutos de uma acirrada disputa ideológica que se reflete em alterações normativas e organizacionais a cada mudança de governo.

De todos os fatores relacionados acima, o último é o que tem mais visibilidade e o que mais produz consequências no nível das unidades escolares, sempre às voltas com construção e reconstrução de projetos pedagógicos de cursos e redesenho das matrizes curriculares, gerando confusão, cansaço e uma boa dose de ceticismo.

Desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) n.º 9.394/96 até o atual momento, a legislação educacional foi mudada a cada nova orientação de governo vencedora da eleição presidencial. Em vez de políticas de Estado, a educação, incluindo a formação técnica, se viu imersa em conflitos ideológicos que a transformaram em políticas de governo.

A LDB foi aprovada durante o governo Fernando Henrique, com o Ministério da Educação chefiado por Paulo Renato Souza. De 1997 a 1999, um conjunto normativo foi elaborado para a educação básica e a técnica. O Decreto n.º 2.208/97 organizou o ensino técnico e lhe deu um perfil que foi muito criticado pelas instituições públicas de ensino profissional e pelos departamentos de educação das universidades. A seguir, vieram os Pareceres do CNE/CEB n.º 17/97 e 16/99 e a Resolução n.º 04/99, com as novas diretrizes curriculares. Esse conjunto normativo completou o arcabouço legal do que deveria ser o ensino técnico no Brasil.

Numa rápida síntese, foi introduzido um tipo de organização curricular bastante flexível, que poderia se organizar em módulos com certificações intermediárias, voltada para a empregabilidade como forma de responder aos desafios da nova organização do trabalho, sob forte impacto de tecnologias inovadoras. E, por fim, foi proibido o ensino integrado, entendido como inadequado à flexibilidade curricular posta pela legislação.

A chegada de Lula ao poder em 2003 criou a oportunidade de mudança na legislação, concretizada no Parecer n.º 39/2004 e com o Decreto n.º 5.154/2004, que revogou o Decreto n.º 2.208/97. A principal mudança foi a volta do ensino integrado, saudado pelos que se opuseram às reformas da era Fernando Henrique Cardoso.

Essas mudanças foram aprofundadas com o Parecer n.º 11/2012 e com a Resolução n.º 06/2012. Nesses dois documentos foi demarcado um campo filosófico e ideológico da educação técnica que se opôs claramente aos ideais do período Paulo Renato.

Desde 2004, a legislação prevê três modalidades de educação técnica, que é entendida como formação profissional de nível médio: concomitante, integrada e subsequente ou pós-média. A concomitante se caracteriza por ter o aluno duas matrículas simultâneas: uma, no ensino médio, e outra, no técnico, no mesmo ou em outro estabelecimento de ensino. A integrada se caracteriza por uma matrícula única num curso cuja matriz curricular tem uma parte de conteúdos próprios do ensino médio e a outra com conteúdos da formação profissional. A subsequente é voltada para alunos que já terminaram o ensino médio, normalmente mais velhos, ofertada em maior escala no período noturno e focada em conteúdos próprios da habilitação profissional desejada.

As modalidades concomitante e, sobretudo, a integrada são alvo de intensa disputa ideológica, refletida na e alimentada pela legislação que muda conforme o governante de plantão. O mais recente capítulo do conflito pode ser acompanhado nos imbróglios, ainda em curso, envolvendo a reforma do ensino médio feita em 2017.

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DOUTOR EM CIÊNCIAS SOCIAIS, É PROFESSOR APOSENTADO DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO SUL DE MINAS (IFSULDEMINAS)

Opinião por Isaías Pascoal

Doutor em Ciências Sociais, é professor aposentado do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas (IFSuldeminas)