Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião | Os riscos do imposto seletivo

Um exemplo é o das bebidas alcoólicas: as produzidas legalmente vão se tornando artigos de luxo e as batizadas e contrabandeadas vão retomar o mercado

Por Percival Maricato

A reforma tributária pode ser aprovada no Senado mantendo a norma que permite aumentar impostos de produtos com “externalidades negativas”, o que em princípio parece correto, mas os resultados, dependendo do produto, podem ser negativos. Um dos riscos de aumento de impostos de forma excessiva sobre esses produtos decorre da possibilidade de as autoridades constatarem que a reforma vai gerar um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) muito elevado e, então, cederem à tentação de aumentar a tributação desse tipo de produtos com aspectos negativos para arrecadar mais com os mesmos e, assim, poder evitar o aumento excessivo do IVA.

Cigarros podem ser um exemplo da complexidade dessa questão. Sabe-se que, atualmente, quase metade dos produtos tabagistas vendidos no mercado é contrabandeada. Há, assim, perda de tributos e aumento expressivo da criminalidade. Por sua vez, não há fiscalização sanitária sobre os produtos vendidos e, então, corre-se grande risco de prejudicar o consumidor.

Mas há um outro produto socialmente mais importante e visado pelos conservadores: a bebida alcoólica. Difícil saber o quanto o poder público poderá aumentar de imposto numa cachaça, já que atualmente a carga tributária é de 81,9%. Sobre a caipirinha e o chope, essa carga chega a 76,7%. Pode-se dizer que os consumidores já bebem impostos.

Novo aumento da carga tributária sobre bebidas alcoólicas seria, pois, um equívoco e um abuso. A Constituição prevê que os impostos não podem ter efeito de confisco, veda a imposição de carga tributária que o contribuinte não possa pagar.

Evidente, também, que novos aumentos irão estimular a informalidade, já imensa, e aumentar o número de fábricas de fundo de quintal, que tantos males já causaram aos consumidores. Ou seja, aumentos abusivos podem, de um lado, aumentar a informalidade e reduzir a receita e, de outro, causar males à saúde do consumidor e aumentar os gastos no sistema de saúde.

Podem, ainda, fechar empresas, reduzir o número de empregos e acabar com as exportações, já tão difíceis em razão do preço que acabam tendo os produtos brasileiros no exterior. Acrescente-se que ainda dificultarão a importação de produtos legalizados, aumentando o contrabando.

O mais cruel, no entanto, é que mais de 100 milhões de brasileiros serão afetados em seus bolsos e milhões de empregos, de bares e restaurantes serão atingidos – todos os que gostam de degustar esses produtos, tão atingidos por leis e políticos preconceituosos (leis que geralmente são aprovadas com base em acusações que levam em conta uma ínfima minoria que bebe em excesso).

Com o aumento do preço, até tomar um chopinho no final da tarde ficará mais difícil. As bebidas alcoólicas produzidas legalmente vão se tornando artigos de luxo, e as batizadas e contrabandeadas vão retomar o mercado.

É dever das autoridades que não estão envolvidas por visões preconceituosas pensarem como decidir esta questão da reforma tributária, mantendo o direito do brasileiro de poder erguer um brinde no final de um dia de trabalho e comemorar a existência, a amizade, o namoro, o emprego, o nascimento de uma criança, a alegria de viver. Esse é o outro lado da vida e tem de ser defendido.

*

ADVOGADO, É DIRETOR INSTITUCIONAL DA ABRASEL

Opinião por Percival Maricato