O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, está resoluto em inserir o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) na Constituição federal. Para tanto, desenvolve uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que está em debate com a Casa Civil e a Presidência da República para, posteriormente, ser encaminhada ao Congresso Nacional.
Dentre os objetivos temos: a unificação das polícias a partir da Polícia Federal, uma ampliação das funções da Polícia Rodoviária Federal e a criação de um orçamento para a Susp, com aumento de responsabilidade por parte da União. A PEC ainda tem por escopo a criação de uma diretriz única desenvolvida pela União em conjunto com os Estados e municípios para um plano nacional de segurança pública.
O Susp não é novo e já existe no ordenamento jurídico nacional através da Lei n.° 13.675, de 11 de junho de 2018. No entanto, na visão do ministério, se inserido na Constituição federal, seu peso será consideravelmente maior. A questão a ser refletida é se há a necessidade da previsão constitucional ou se, em verdade, o objetivo premente é a construção de um orçamento, o que parece ser o caso.
No corpo da referida lei podemos constatar a previsão de uma Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social instituída pela União em conjunto com os Estados e municípios. Ademais, fazem parte dessa política, como prevê o artigo 9.°, as Polícias Federais, Federal Rodoviária, Civil e Militar, Corpo de Bombeiros Militar, Guardas Municipais, agentes penitenciários e peritos criminais em geral.
Inova o ministro em buscar uma integração entre as polícias de maneira geral, o que, em tese, poderia ser positivo desde que não houvesse três entraves principais: as disparidades com falta de efetivo policial, as diferenças e carências tecnológicas e as dificuldades regionais de cada uma das polícias.
No País temos 404.871 policiais militares e 95.908 policiais civis na ativa, respectivamente. Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2023, as Polícias Militares do País atuam com déficit de 179.591 agentes. A Polícia Civil também possui déficit e a corporação trabalha com 55.244 servidores a menos do devido, o número previsto é de 152.769 policiais civis. O que implica dizer que a Polícia Militar funciona apenas com 69,3% do total do contingente previsto em lei e a Polícia Civil, com 63%.
Quinze unidades da Federação apresentam o porcentual de ocupação das vagas na Polícia Militar de 69,3%, e pior: Goiás, Amapá, Santa Catarina e Paraíba apresentam efetivo abaixo de 50%.
Fora isso, temos distorções na Polícia Militar, uma vez que em vários Estados existem mais oficiais do que o limite previsto em lei ante um déficit de cabos e soldados. No Rio de Janeiro, por exemplo, temos em 2024 3.954 soldados, ante o predito de que deveriam ser 37.486, déficit de 89%.
Assim, como ter a integração das polícias se as mesmas funcionam com profissionais a menos, o que, claramente, impede a realização de um trabalho investigativo com fulcro a impedir a realização de crimes? Nos moldes correntes a polícia mais parece um cobertor curto: ou investiga e não prende ou faz a ronda e não consegue fazer a função investigativa da maneira adequada. Note que não se fala em falta de dinheiro, mas, sim, de pessoas. A unificação conseguirá cumprir a carência de concursos e corrigir as disparidades de efetivo nacionalmente? Se o orçamento destinado para a segurança pública em vários Estados já é parcialmente comprometido com o pagamento de salários, como incrementar com novos concursos e contratações?
A questão da disparidade tecnológica. Os níveis de investimento das polícias são diversos em vários níveis. Enquanto para algumas faltam equipamentos, viaturas e manutenção no volume adequado, para outras faltam itens primários de infraestrutura como computadores, material de escritório, armamento e munição atualizados, etc. E, para todas, há uma falta de integração sistêmica e de troca de informações, inclusive, por deficiências tecnológicas.
Nesse diapasão, a unificação poderia ser positiva desde que haja investimentos para nivelar as disparidades e para o governo federal desenvolver um banco de dados integrado entre as polícias nacionalmente. É complexo, porém, com uma previsão orçamentária, um plano nacional de segurança pública e investimentos adequados, a parte tecnológica é passível de ser saneada.
Por fim, as dificuldades regionais. Há uma dissonância entre os Estados em vários aspectos: diferença de efetivo, variações nas questões dos oficiais nas Polícias Militares, remunerações com defasagens importantes, alguns Estados mais atrasados no quesito manutenção e material do que outros e, por fim, mas não menos importante: algumas polícias têm maiores dificuldades de investigação em alguns Estados do que em outros pela somatória dos problemas já elencados. Como dirimir esse conjunto em uma eventual unificação?
Nitidamente faltará erário para tanto. Esse que já é escasso nos dias correntes, mesmo diante do acúmulo de R$ 2,8 bilhões fornecidos pelo governo federal e que, por entraves burocráticos, não foram gastos pelos Estados. Santa Catarina e Tocantins, por exemplo, aplicaram apenas um terço da verba recebida desde 2019. Todavia, a engenharia financeira para suprir tantas lacunas e problemas não comporta o orçamento previsto para a maioria dos Estados brasileiros no tocante à segurança pública.
Sobra pouco espaço no orçamento para investimentos concretos, pois a maior parte da verba é gasta em salários, mesmo com o déficit. Atualizar maquinário, infraestrutura, instalações e demais utensílios inerentes à profissão é custoso e lento, portanto, o governo federal, se não intervier e suprir a carência, não logrará êxito em seu intento.
Um policial que é mal remunerado e arrisca sua integridade física ou sua vida cotidianamente, e ao trabalhar tem armamento bem inferior aos criminosos que deve enfrentar; que não tem tecnologia atualizada para investigar e, com equipe reduzida, por vezes é o único da equipe e ainda tem de fazer a prevenção do crime. Difícil e árdua tarefa para aquele que é o braço da segurança do Estado. Os problemas da segurança pública precedem a possibilidade de uma polícia única e dificilmente serão saneados apenas com a inserção do Susp na Constituição federal.
A unificação das polícias é uma iniciativa próspera e que pode produzir frutos positivos, porém, como vimos, antes de sua concretização, outros procedimentos devem ser realizados para viabilizar o intento.
De tal sorte que o Sistema Único de Segurança Pública tem um árduo caminho para se transformar em PEC e ser inserido na Constituição federal, e causa surpresa não haver qualquer movimentação por parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública em desenvolver e apresentar um plano nacional de segurança pública para dirimir tantas dúvidas importantes no cenário brasileiro. Abrir uma nova fonte orçamentária sem saber o que fazer não parece ser o melhor caminho para a segurança pública brasileira.
Criar a PEC da segurança pública é viável, prover um orçamento também, porém, delinear um plano nacional, uma estratégia conjunta com Estados e municípios de como destinar o erário obtido e, mais do que isso, de como criar elementos a fim de conferir segurança real e efetiva à população brasileira, é uma tarefa que o ministro, o governo federal, os Estados e os municípios não conseguiram responder ou equalizar até o presente momento.
Insisto: a questão da segurança pública brasileira perpassa por um plano nacional a ser implementado em conjunto por Estados e municípios com a participação e investimentos também do governo federal. Este deve criar mecanismos tecnológicos e contribuir positivamente para minorar o déficit e as diferenças salariais entre os Estados. Somente efetivar o Susp não é a resposta para a profunda crise em que a segurança pública brasileira se encontra. Investir, sim, mas investir sem planejar será a continuidade da frase mais usada nas polícias atualmente: seguiremos enxugando gelo.
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ADVOGADO CRIMINALISTA, É PÓS-DOUTOR EM DESAFIOS EM LA POST-MODERNIDAD PARA LOS DERECHOS HUMANOS Y LOS DERECHOS FUNDAMENTALES PELA UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA, EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO PELA PUC-SP, EM CIÊNCIAS JURÍDICAS PELA UNIVERSIDADE DE LA MATANZA, DOUTOR E MESTRE EM FILOSOFIA DO DIREITO PELA PUC-SP E MBA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS