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Opinião|Pesquisas – mitos e ajustes adequados

O pós-eleição deverá oferecer um excelente momento de reflexão sobre as pesquisas eleitorais. Mas, antes, é importante separar o que é fato da ficção.

Por Clifford Young e Christopher da Cunha Bueno Garman

O Brasil foi às urnas em 2 de outubro e, agora, Lula e Bolsonaro se enfrentam no segundo turno. Pesquisas eleitorais tiveram diversos problemas, e muitas reconheceram ter errado o resultado. Mas os erros trouxeram uma grande pressão por maior regulamentação e até punição dos institutos.

Erros em pesquisas eleitorais mexem com nossa confiança no sistema democrático. O pós-eleição deverá oferecer um excelente momento de reflexão. Mas, antes disso, é importante separar o que é fato e o que é ficção. Atualmente, diversos mitos sobre as pesquisas têm circulado, e eles prejudicam a construção do debate. Queremos, aqui, sinalizar quais são esses mitos para elevar o debate sobre pesquisas eleitorais no País.

Primeiro, a média de todas as pesquisas não errou os resultados do primeiro turno, como alguns têm afirmado. O problema estava na dispersão entre elas. Agregadores de pesquisa que incluem todos os institutos mostravam Lula com uma vantagem de 7 pontos. O resultado foi de 5 pontos. O problema é que algumas pesquisas mostravam Lula com 14 pontos de diferença, outras mostravam Bolsonaro à frente. Nunca vimos uma dispersão tão grande. E dispersão é pior do que viés, especialmente porque afeta diretamente a credibilidade dos dados. Além disso, os institutos mais respeitados colocavam Lula com 14 pontos de diferença para Bolsonaro.

Segundo, o principal problema das pesquisas não tem que ver com a margem de erro. A margem de erro representa uma medida de precisão das pesquisas – o quanto o resultado pode variar entre uma medição e a outra. O problema tem que ver com o chamado erro não-amostral – a categoria mais comum de erros que pesquisas enfrentam globalmente.

Existem quatro erros não-amostrais típicos. O primeiro é um viés de cobertura: quando uma amostra não cobre a população como um todo. Pensem em pesquisas que usam pesos demográficos incorretos ou pesquisas online que subestimam classes mais baixas. O segundo é viés de não resposta. Isso ocorre quando as pessoas que respondem às pesquisas são sistematicamente diferentes daquelas que não as respondem. Esse erro tem crescido muito, porque a política está mudando – tanto no Brasil como no mundo. O número de políticos antissistema tem crescido em todos os lugares, trazendo candidatos incomuns como Bolsonaro e Trump. Eles atraem eleitores não tradicionais, que não votariam em outra situação ou não participam em pesquisas.

O terceiro erro não-amostral é o viés de abstenção, quando aqueles que votam são diferentes daqueles que não votam. E, finalmente, pode haver erros na medição dos votos por perguntas mal formuladas ou tendenciosas.

Em nossa opinião, as pesquisas no Brasil sofreram de viés de não resposta e viés de abstenção. Mas a boa notícia é que isso tem conserto.

Para o viés de não resposta, existem diversas formas de ajustar. A primeira é tentar contactar um respondente diversas vezes para ter sua resposta. Outra forma é ponderar os dados para corrigir esse erro. No Brasil e nos EUA, uma forma de ajustar é perguntando em quem o eleitor votou na última eleição, e usar isso como fator de ponderação. Apesar de resultados preliminares, estudos têm mostrado que tais correções foram efetivas nos EUA.

Para o erro induzido pela abstenção, diversos modelos de “eleitor provável” foram utilizados na Europa e nos EUA por décadas. Tais modelos não foram tão utilizados no Brasil porque o voto é obrigatório e os números de abstenção – próximos de 20% – têm sido constantes. Mas, mesmo constante, viés tem de ser minimizado, pois num jogo de centímetros cada ponto importa. Está na hora de desenvolver modelos de abstenção no País.

O ponto é que existem diversas formas de ajustar o viés de não resposta e abstenção. Não existe a necessidade de uma completa reformulação dos institutos.

Um terceiro mito circulando no Brasil é: uma onda “pró-Bolsonaro” nos últimos dias do primeiro turno é fantasia. Muitos têm argumentado que o erro nas pesquisas foi fruto de uma movimentação dos eleitores de Ciro Gomes para Bolsonaro. No entanto, isso é uma forma de se proteger do debate mais amplo. A evidência no primeiro turno converge contra tal afirmação, simplesmente porque a matemática não fecha. A média das pesquisas resultava em Lula +7, e o resultado foi +5. Não existe a necessidade de mais explicações. É preciso sair do mundo da magia e da fantasia e entrar na ciência. O Brasil merece.

Para encerrar, apoiamos veementemente um exame crítico do desempenho das pesquisas depois que a poeira baixar. Idealmente, a Abep – a associação profissional de empresas de pesquisa – estabelecerá uma comissão neutra para avaliar e recomendar mudanças. Esse é o padrão, quando as pesquisas têm desempenho abaixo da média. Os EUA, após as eleições de 2016 e 2020, e o Reino Unido em 2016, após o Brexit, são exemplos. Isso é essencial para melhorar o empreendimento científico da pesquisa, mas também para garantir a confiança na pesquisa como instituição. Contudo, para fazer isso, também devemos ser honestos conosco mesmos: fatos antes de ficção; ciência sobre a arte. Se o formos, estaremos bem encaminhados.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DA IPSOS EUA E PROFESSOR-ADJUNTO DA UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS SAIS; E DIRETOR EXECUTIVO DE AMÉRICAS DA EURASIA GROUP

Opinião por Clifford Young
Christopher da Cunha Bueno Garman