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Opinião|Política industrial não é jabuticaba

Em 2023, segundo relatório do FMI, foram realizadas mais de 2.500 intervenções de política industrial no mundo

Por Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira

Recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou um estudo, intitulado The return of industrial policy in data, mostrando que política industrial não é um recurso de poucos, mas sim uma prática internacional. Estamos falando de Estados Unidos, União Europeia, de países da Ásia, da África.

Os governos têm usado cada vez mais esta política para alavancar e defender seus mercados e empregos. Em 2023, segundo o report do FMI, foram realizadas mais de 2.500 intervenções de política industrial no mundo, com aumento tanto em países avançados quanto em emergentes.

Os motivos principais estão na disrupção das cadeias produtivas causada pela pandemia de covid-19, na intensificação das tensões e dos conflitos geopolíticos e na demanda crescente de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

Os governos buscam objetivos como a construção de cadeias de suprimento resilientes, a geração de empregos de qualidade e a transição para uma estrutura produtiva ambientalmente sustentável.

Com relação aos principais instrumentos de política industrial, o estudo do FMI mostra que tanto os países avançados quanto os emergentes e em desenvolvimento usam recursos públicos, por meio de empréstimos governamentais.

Os países avançados recorrem, ainda, a incentivos à exportação. Os emergentes também usam o comércio exterior para ações de política industrial, porém por meio de barreiras à importação.

Mas a adoção de medidas tem sido francamente desigual. Os países avançados foram os principais implementadores dessas práticas em 2023, e as iniciativas se concentraram na China, nos países da União Europeia e nos Estados Unidos, segundo o estudo do FMI.

No ano passado, o foco maior foi em produtos para uso tanto militar quanto civil e em tecnologias de baixo carbono – neste último caso, claro, associado à preocupação dos governos com as mudanças climáticas.

Os Estados Unidos anunciaram US$ 369 bilhões em subsídios domésticos para auxiliar o processo de transição energética no país. Já a União Europeia decidiu destinar US$ 270 bilhões para reforçar a competitividade da indústria com impacto neutro no clima e apoiar a transição rápida para a neutralidade carbônica.

Na América Latina, o México destinou US$ 7 bilhões para estimular um projeto de alternativa ao Canal do Panamá, enquanto o Chile anunciou US$ 33,5 bilhões em incentivos fiscais para atrair investimentos estrangeiros associados à troca de tecnologia. E tivemos, este ano, o anúncio de uma política industrial em nosso país, a Nova Indústria Brasil, ou NIB, que prevê R$ 300 bilhões em estímulos para o setor até 2026.

As iniciativas da NIB estão agrupadas em seis missões: 1) cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais; 2) forte complexo econômico e industrial da saúde; 3) infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis; 4) transformação digital; 5) bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas; e 6) tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais.

É importante destacar que as missões e os instrumentos da NIB estão alinhados com o contexto atual de política industrial no resto do mundo.

O programa brasileiro contempla, por exemplo, apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de semicondutores; incentivos à exportação (com apoio do BNDES e da Finep); medidas de Investimento Estrangeiro Direto (IED) – benefícios à produção decorrente de IED; políticas de compras públicas (com o poder de compra do Estado visando a alavancar o desenvolvimento industrial); e incentivos ou requerimentos de localização (por meio do programa de nacionalização progressiva para baterias, por exemplo).

A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) fez, recentemente, contribuições ao aperfeiçoamento da NIB, a partir de estudos de nossa área técnica e consolidadas em debate com industriais fluminenses. O documento foi entregue ao vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.

Diante das mudanças geopolíticas e dos grandes desafios globais, a revitalização da indústria nacional é urgente. O Brasil precisa de uma política de desenvolvimento industrial integrada às políticas de inovação e comércio exterior, e a NIB está na direção certa.

Mas fazer política industrial pressupõe duas dimensões de cautela. A primeira é que esta política precisa ter um tamanho que possa ser administrado fiscalmente. O equilíbrio das contas públicas é imprescindível para estimular o crescimento sustentável da atividade econômica. A segunda dimensão de cautela tem que ver com a necessidade da aferição de resultados – um processo de avaliação ao longo do tempo, como é de praxe em países desenvolvidos.

Ressalvadas tais cautelas, o fato é que o Brasil precisa, sim, de política industrial. Não se trata de uma jabuticaba, exclusividade de nosso país. E sim de uma prática internacional para promover o crescimento econômico, criar empregos de qualidade e aumentar a geração de renda.

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É PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (FIRJAN)

Opinião por Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira

É presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan)