Opinião | Precisamos falar sobre obesidade

Em 2025, estimativa da OMS aponta que 2,3 bilhões de adultos ao redor do mundo estarão acima do peso, sendo 700 milhões os indivíduos obesos

Por Dinah Ribeiro

Em janeiro, a respeitada revista The Lancet publicou um estudo propondo uma nova abordagem para a definição e classificação da obesidade. A proposta resultou do trabalho de uma comissão de 56 renomados especialistas de várias partes do mundo. Como era de se esperar, tem suscitado um animado debate na comunidade médica.

O diagnóstico e tratamento da obesidade sempre representaram um desafio. Ainda hoje, infelizmente, há profissionais que enxergam a condição com preconceito, como se fosse resultado de escolhas pessoais e não de uma doença complexa, desencadeada por múltiplos fatores, na maioria dos casos.

O parâmetro tradicionalmente utilizado para definir a obesidade é o Índice de Massa Corpórea (IMC), adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele é calculado dividindo-se o peso do indivíduo pela altura elevada ao quadrado. Se o resultado for igual ou maior do que 30, a pessoa é considerada obesa. O IMC é um número frio. Não distingue o que é gordura de músculo, por exemplo. Não leva em conta a compleição física, fatores étnicos, a distribuição do tecido adiposo pelo corpo. As limitações do IMC eram conhecidas para um diagnóstico preciso da obesidade. Ele funciona como parâmetro de triagem, estatístico, epidemiológico. É nele, por exemplo, que a OMS e a maioria dos estudos da área se baseiam, por exemplo, para monitorar a população de obesos e estabelecer a sua progressão. Mas lhe falta precisão para determinar quem realmente sofre do mal.

O novo critério proposto pela comissão de especialistas para determinar se uma pessoa é obesa não descarta o uso do IMC, desde que acompanhado e confirmado por medidas antropométricas, como a circunferência abdominal, a relação cintura/quadril, ou a medição direta da gordura corporal por meio de um exame de bioimpedância, por exemplo, além de evidências da disfunção de órgãos, limitações para atividades diárias e doenças associadas ou provocadas pelo excesso de peso. Trata-se de uma abordagem individualizada. Cada paciente é um caso.

A comissão classifica a obesidade em duas categorias: pré-clínica e clínica. No primeiro caso, são aqueles pacientes que têm confirmado o excesso de adiposidade, mas sem o comprometimento da função de tecidos e órgãos. O protocolo de tratamento, nesses casos, é preventivo, de controle e de redução de riscos.

A obesidade clínica apresenta sinais e sintomas de disfunção orgânica. A comissão lista 18 dessas evidências para adultos e 13 para adolescentes e crianças, a fim de permitir maior segurança no diagnóstico e tratamento imediato mais eficaz dos pacientes. Nesse ponto, está um dos grandes acertos da proposta: a caracterização da obesidade como doença crônica. Outro acerto é personalizar o tratamento, aumentando em muito a chance de resultados favoráveis.

A proposta publicada na The Lancet, de certa forma, sistematiza um protocolo de diagnóstico e encaminhamento terapêutico que já era seguido por diversos especialistas em obesidade. Ela tem também o condão de provocar a discussão sobre como enfrentar uma doença que se transformou em um dos maiores desafios quando se pensa em saúde pública global.

Em 2025, estimativa da OMS aponta que 2,3 bilhões de adultos ao redor do mundo estarão acima do peso, sendo 700 milhões os indivíduos com obesidade. No Brasil, a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), de 2019, mostra quase 20% de obesos na população. Em 13 anos, de 2006 a 2019, a doença cresceu 72%.

A nova abordagem da obesidade recebeu o apoio de 75 associações médicas. Entre elas estão as principais entidades do setor. No entanto, a European Association for the Study of Obesity (Easo) e a Obesity Medicine Association (OMA), não endossaram as conclusões apresentadas.

Entre outras críticas, ambas externaram o receio de que pessoas classificadas na categoria “obesidade pré-clínica” possam ser privadas de cuidados necessários, levando-se em conta principalmente os sobrecarregados serviços públicos de saúde. O debate está no ar.

Opinião por Dinah Ribeiro

Médica formada pela Universidade Federal de Goiás, nutróloga pela ABRAN/AMB, é coordenadora da pós-graduação em Nutrologia da BWS – Grupo Primum

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