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Opinião|Prejuízo desnecessário à imagem

Smotrich e Ben Gvir são talvez os mais ruidosos, mas não os únicos na coalizão de Netanyahu cujas declarações prejudicam Israel

Por Revital Poleg

Enquanto 136 sequestrados ainda estão no cativeiro do Hamas em péssimas condições físicas, médicas e emocionais há mais de 105 dias, e enquanto a guerra contra o Hamas em resposta ao ataque bárbaro ao seu território soberano ocorrido em 7 de outubro de 2023 ainda está em andamento, existem, infelizmente, vários políticos da coalizão de extrema direita de Benjamin Netanyahu que não hesitam em alimentar o ambiente que já é complicado com declarações políticas radicais e irresponsáveis, que prejudicam muito Israel.

O dano não acaba aí. Há algo no sistema político atual que simplesmente não funciona. No momento mais duro da história de Israel, quando a raiva contra Netanyahu está aumentando em várias partes do público, ele fica preocupado com a possibilidade de perder o poder e trabalha para se promover politicamente entre seus apoiadores e, acima de tudo, para evitar a queda de seu governo. Uma das mais proeminentes manifestações disso é o fato de que ele evita reagir contra os membros de sua coalizão, mesmo quando isso é necessário, e não interrompe as declarações agressivas de seus ministros e membros do Knesset que não apenas prejudicam Israel internamente, mas também, e principalmente, atrapalham a imagem de Israel.

Os principais protagonistas com suas declarações prejudiciais são o ministro da Fazenda, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, representando a facção da direita radical do governo de Netanyahu. Ambos têm opiniões firmes e aterrorizantes sobre “o dia depois da guerra”. Enquanto Netanyahu adia a discussão para evitar irritar o elemento de extrema direita do seu governo e postergar o momento em que o público exigirá que ele assuma a responsabilidade por tudo o que aconteceu, a arena política permanece exposta a declarações extremistas e vocais, especialmente por parte desses dois ministros. Smotrich e Ben Gvir buscam criar erosão na posição pública sobre o tema para endurecer a posição do governo israelense em relação à arena internacional, com ênfase na administração americana.

“Quem acha que a solução em Gaza será semelhante às soluções do passado não entende onde vive”, disse o ministro da Fazenda, Smotrich, exigindo explicitamente o controle israelense permanente na Faixa de Gaza, o retorno das colônias judaicas à região (Gush Katif, que foi evacuado em 2005 como parte do plano de retirada unilateral de Israel) e o encorajamento da transferência voluntária dos residentes de Gaza para outros países. Ele considera essa imigração uma solução humanitária que será realizada com o apoio da comunidade internacional e “permitirá que os residentes de Gaza, que são mantidos como reféns pelo Hamas em perigo e são criados e educados com a visão de destruir o Estado de Israel, tenham a oportunidade de ter uma vida melhor”.

“Precisamos promover a solução de imigração dos residentes de Gaza”, diz o ministro Ben Gvir. Segundo ele, “essa é uma solução correta, justa, moral e humanitária”. Assim como o ministro da Fazenda, ele também demanda o retorno das colônias para Gush Katif.

Diante dessas declarações, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA destacou que “essa retórica é inflamatória e irresponsável”. “O governo israelense nos informou repetidamente e consistentemente, inclusive o primeiro-ministro, que tais afirmações não refletem a política do governo de Israel. Eles (Ben Gvir e Smotrich) devem cessar o discurso imediatamente. Fomos claros, consistentes e inequívocos ao afirmar que Gaza é terra palestina e continuará sendo terra palestina mesmo quando o Hamas não a controlar mais. Esse é o futuro que desejamos, em benefício dos israelenses e palestinos, bem como para a região e o mundo.”

Será que esse pronunciamento categórico impedirá os dois ministros de continuar a expressar-se de forma extremista e inflamada? Lamentavelmente, não. Talvez seja até mesmo um estímulo a continuar com suas proclamações perigosas.

Smotrich e Ben Gvir são talvez os mais ruidosos, mas não são os únicos na coalizão de Netanyahu cujas declarações prejudicam Israel. O processo judicial apresentado contra Israel ao Tribunal Internacional de Justiça em Haia cita dezenas de declarações extremas de políticos (incluindo os mencionados acima, naturalmente), além de outras pessoas midiáticas, que podem ser interpretadas, de acordo com os acusadores, como um apelo à matança massiva na Faixa de Gaza. A ampla parte que tais declarações ocupam na denúncia sul-africana mostra o enorme prejuízo de imagem que elas provocam.

Respondendo a perguntas de jornalistas sobre as afirmações dos membros de sua coalizão, que apareceram na ação judicial da África do Sul, em discussão em Haia, e por que ele não as condenou, Netanyahu replicou: “Essas declarações não têm nenhum sentido, a política do governo é determinada pelo governo e pelo gabinete e ela reflete as nossas intenções”. De fato, é verdade, mas sua resposta chega “tarde demais”.

Sobretudo, é muito lamentável que a resposta do primeiro-ministro surja apenas por causa de uma pergunta da imprensa e após demasiadas declarações prejudiciais feitas pelos membros da coalizão. É de se esperar que Benjamin Netanyahu reaja imediatamente às declarações desnecessárias que nos prejudicam internacionalmente e que ele exija de sua coalizão que se abstenha de expressar-se de uma forma que não represente Israel.

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COLABORADORA DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL, FOI DIPLOMATA DE CARREIRA EM ISRAEL E AO LADO DE SHIMON PERES NOS ACORDOS DE OSLO

Opinião por Revital Poleg

Colaboradora do Instituto Brasil-Israel, foi diplomata de carreira em Israel e ao lado de Shimon Peres nos Acordos de Oslo