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Opinião | Presidente Trump, escute o que a brasileira lhe disse

O Brasil é um ótimo ‘benchmarking’ de estratégias governamentais pouco eficientes. Convém analisar alguns destes erros mais gritantes

Por Ronaldo Barreto

Senhor presidente eleito, quando o senhor estava em campanha numa loja do McDonald’s, uma brasileira – suponho que cidadã americana – lhe fez um pedido: “Não deixe os EUA virarem o Brasil!”.

Foi um conselho muito sábio, embora muito provavelmente ela não tenha pensado nos mesmos motivos que eu quando o aconselhou.

Não me leve a mal, sou brasileiro, orgulhoso da minha origem e vejo muita coisa boa no nosso país e no nosso povo, mas não posso dizer o mesmo do nosso governo. O Brasil é um ótimo benchmarking de estratégias governamentais pouco eficientes. Por isso o conselho de analisar alguns destes erros mais gritantes, para evitar cometer equívocos similares nos EUA.

A dica não vale para o senhor somente. Kamala Harris havia proposto uma espécie de congelamento de preços para segurar a inflação, e erraria feio se implementasse essa política. Se a equipe dela tivesse estudado o Brasil, talvez mudasse de ideia. O Brasil viveu anos de hiperinflação na segunda metade do século passado e tentou vários planos econômicos que tinham o congelamento de preços em sua formulação. Depois de inúmeros fracassos, produziu-se um bom exemplo: o Plano Real, que completou recentemente 30 anos e debelou a inflação galopante de antes. Ele foi visto, na época, como um plano não ortodoxo, mas ensinou várias lições sobre como atacar as causas da inflação, e não as consequências.

Esse caso pode ser útil para seu governo também, mas minha principal sugestão é o senhor escutar o mantra da brasileira em relação a uma das suas promessas de campanha: o aumento de tarifas de importação.

O Brasil é uma das economias mais fechadas entre os países do G-20, a balança comercial é pífia, se comparada ao Produto Interno Bruto (PIB) total do País. O nível de protecionismo e os subsídios são gigantescos no Brasil e o argumento para manter o País quase isolado da economia global sempre foi muito parecido com os seus objetivos na promessa acima: preservar ou atrair empregos para o Brasil.

O resultado, na prática, é que muitos produtos são mais caros no Brasil do que em membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e seus pares latino-americanos. A produtividade do trabalhador brasileiro está estagnada há mais de 20 anos e o eterno país do futuro tem sido sistematicamente ultrapassado por economias que há 20 ou 30 anos eram proporcionalmente menores, mas que se abriram para o mercado externo – e deu no que deu.

Um dos motivos de o Brasil ter caído nessa armadilha retórica anos atrás (e ele continua nela) se deve a uma bênção/maldição que os EUA também têm, e ainda em maior escala: mercado interno grande o suficiente para alimentar a tese de que é capaz, sozinho, de manter vivo o seu parque industrial.

É lógico que a economia americana é muito mais dinâmica e tem mecanismos de incentivo à produção e inovação mais eficientes do que os do Brasil: vocês têm o maior e mais importante mercado de capitais do mundo, uma indústria de capital de risco pioneira e que também é a maior e mais dinâmica do planeta. Ou seja, as consequências para vocês tendem a ser menos pesadas do que têm sido para o Brasil, mas, mesmo assim, não menospreze a capacidade que o fechamento e o isolamento têm de frear a inovação e a eficiência. Mesmo com todo o tamanho da sua indústria, arrisco dizer que serão impactados.

Existem experiências interessantíssimas no Brasil, que o aconselho a olhar bem de perto, como a Lei da Informática implantada pelo governo militar, na década de 1980, e que durou até o começo da década seguinte. Alguns acreditam que o protecionismo para criar uma indústria nacional de tecnologia da informação (TI) atrasou o País em mais de uma década no setor. Apenas nos últimos anos o Brasil, cujos profissionais de TI têm capacidades criativa e inovadora invejáveis (modéstia à parte), conseguiu emplacar unicórnios e multinacionais de tecnologia de expressão, graças a uma série de fatores, entre eles ser um mercado aberto e pouco regulado.

Os EUA já viveram ondas protecionistas e existem vários estudos mostrando que, para cada dólar capturado em empregos gerados ou preservados, um volume muito maior de dinheiro foi gasto pelo governo ou pela população. Estes estudos são de fácil acesso para sua equipe, e olhem também o mais recente e duradouro caso brasileiro.

Por fim, uma confissão: não é desinteressado o meu pedido. Além de eu acreditar que é ruim para os EUA no longo prazo, o protecionismo tende a gerar inflação global; outros países vão fechar as portas para os EUA como contrapartida; guerras comerciais vão se intensificar; enfim, o mundo todo vai diminuir o ritmo de crescimento – ao menos essas são algumas das expectativas de muitos analistas sérios com os quais concordo.

Desculpe a insistência no tema, senhor presidente, mas não acho que foi por acaso que aquela moça apareceu na sua frente, dentro do carro num drive-thru do McDonald’s. Espero, realmente, que o que ela disse fique de fato martelando na sua cabeça nos próximos quatro anos: “Não deixe os EUA virarem o Brasil!”.

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CIENTISTA DA COMPUTAÇÃO (UFMG), COM MBA PELA FUNDAÇÃO DOM CABRAL, FOI EMPREENDEDOR, TRABALHOU NO GOOGLE POR DEZ ANOS E HOJE É VENTURE CAPITALIST, INVESTINDO EM STARTUPS BRASILEIRAS DE TECNOLOGIA

Opinião por Ronaldo Barreto

Cientista da computação (UFMG), com MBA pela Fundação Dom Cabral, foi empreendedor, trabalhou no Google por dez anos e hoje é venture capitalist, investindo em startups brasileiras de tecnologia