O dia 12 de dezembro de 2024 representa um marco para a política climática brasileira com a publicação da Lei n.º 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Sem sombra de dúvidas, temos um avanço importante para o Brasil em termos de regulação climática e alinhamento às práticas globais de precificação de carbono, o que era muito aguardado pelo mercado. No entanto, a agenda ainda é ampla. Agora, teremos que caminhar com sua regulamentação. De modo geral, a lei adota um modelo de mercado de carbono que harmoniza com os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e outros tratados internacionais. Isso melhora a competitividade global e fortalece a posição do País em negociações climáticas. Instrumentos modernos foram introduzidos, como a Cota Brasileira de Emissões (CBE) e o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), seguindo as práticas internacionais, promovendo um mercado robusto de ativos ambientais e incentivando a participação de setores diversos. Não podemos esquecer também a conquista da incorporação de diretrizes para proteger os direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, e a previsão de recursos para pesquisa e inovação tecnológica, além de uma estrutura de governança que contempla consulta pública e participação multissetorial, promovendo maior transparência e legitimidade.
Não obstante esses avanços, percebe-se do texto que teremos muito a fazer para tornar a lei operacional em várias regiões do País, pois a estruturação do mercado de carbono requer uma capacidade institucional elevada para monitoramento, relato e verificação (MRV). A exclusão de atividades agropecuárias primárias das obrigações do SBCE pode limitar a eficácia da lei, já que o setor agrícola é uma das maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil. A obrigatoriedade de metodologias credenciadas para geração de créditos pode criar barreiras de entrada para pequenos geradores de créditos, especialmente em áreas rurais ou em projetos comunitários. A restrição de conversão de créditos de carbono voluntários em CRVEs pode desestimular iniciativas existentes e limitar a sinergia entre mercados voluntário e regulado. A lei aborda superficialmente a questão do vazamento, em que emissões são deslocadas para setores ou países não regulados, o que pode comprometer os objetivos de mitigação. Embora a lei contemple sanções, a aplicação de multas limitadas ao faturamento pode não ser suficiente para deter grandes infratores, especialmente em setores com alto impacto ambiental. Não há detalhamento suficiente sobre como trabalhadores e comunidades em setores intensivos em carbono serão apoiados durante a transição para uma economia de baixo carbono. Embora mencione a possibilidade de interoperabilidade com sistemas internacionais, a ausência de diretrizes claras pode dificultar a integração do SBCE com mercados globais de carbono. Portanto, existe a necessidade de incorporar o setor agropecuário, mesmo que de forma gradual, para ampliar o alcance do SBCE e potencializar suas contribuições às metas climáticas; de criar mecanismos específicos para apoiar pequenos produtores e projetos comunitários, especialmente em regiões vulneráveis; de investir na formação técnica e na infraestrutura para garantir que o sistema de MRV seja eficaz e confiável; de criar mecanismos que assegurem coordenação entre a regulação federal e as políticas estaduais e municipais; de desenvolver programas para requalificação de trabalhadores em setores que serão impactados negativamente pela regulação.
Ou seja, finalmente o Brasil tem um mercado regulado de carbono. A agropecuária ficou de fora da obrigatoriedade, mas pode ganhar muito participando do mercado voluntariamente. Ou seja, aqueles que têm sua produção bem administrada podem agora passar a produzir, além de comida, ração, fibras, bioenergia, também carbono. Que a lei sirva para estimular a agricultura tropical brasileira como uma solução baseada na natureza: com cada vez mais sistemas integrados de produção, uso de bioinsumos, plantas de cobertura, tecnologia para precisão no cálculo de uso de insumos e minimização de desperdícios para solos férteis, com maior produtividade e ainda de quebra sequestrando mais gases de efeito estufa.
Prevê-se que a demanda global por alimentos em 2050 cresça, para alimentar a população de 9,7 mil milhões de pessoas, que provavelmente viverá a sua maioria em cidades e terá melhores qualidades de vida. O aumento da urbanização gera alteração, e mais riqueza gerará alteração das preferências alimentares, gerando maior procura. O que implica em desafios aos sistemas de produção alimentar, exigindo um aumento estimado de 60% da produção agrícola mundial em relação aos níveis de 2005.
Junto com mais produção, questões subjacentes, como combate à subnutrição e ao desperdício e respeito à biodiversidade ao longo da produção da fazenda ao garfo, são pontos complexos que acompanham os impactos climáticos ambientais dos sistemas agroalimentares industriais.
O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, desempenha um papel fundamental na satisfação dessas necessidades. Como grande produtor de alimentos com vastos recursos naturais, está em uma posição única para liderar a agricultura sustentável. O Brasil tem potencial para expandir sua produção por meio de práticas como os sistemas integrados de lavoura-pecuária, integração lavoura-pecuária-floresta, agrofloresta, plantio direto, uso de plantas de cobertura, plantio no verde, biochar, uso de bioinsumos, recuperação de solos, práticas agroecológicas, que simultaneamente aumentam a produtividade e combatem as alterações climáticas, agricultura de precisão e tantas outras técnicas, minimizando os impactos ambientais.
No entanto, os desafios persistem. O mercado de carbono regulado sozinho não vai ser a bala de prata que resolverá todos os problemas ambientais do Brasil ou do mundo. Ainda temos um longo caminho de implementação do Código Florestal na prática. As nações em desenvolvimento têm de resolver as ineficiências nas cadeias de abastecimento, melhorar o acesso à tecnologia e criar capacidade institucional para implementar práticas sustentáveis. Os investimentos em educação, infraestrutura e desenvolvimento rural são fundamentais para equipar os pequenos agricultores e garantir a segurança alimentar. Além disso, a colaboração internacional será essencial para financiar as transições para sistemas sustentáveis e alinhar os esforços com os objetivos globais em matéria de clima e segurança alimentar. E tudo isso para ontem.
*
SÃO, RESPECTIVAMENTE, PESQUISADORA COLABORADORA DO CENTRO DE PESQUISA E INOVAÇÃO EM GASES DE EFEITO ESTUFA (RCGI) E LIVRE-DOCENTE DO INSTITUTO DE ENERGIA E AMBIENTE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (IEE) DA USP; E PÓS-DOUTORANDA DO RCGI