Acesso à água e saneamento básico são direitos fundamentais e estão no centro da discussão mais importante da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) este ano: a privatização da Sabesp. Exponho aqui, como representante legislativa eleita pela população do Estado de São Paulo, as razões que me fazem questionar o projeto enviado pelo governador Tarcísio de Freitas.
Não sou contrária a privatizações e parcerias público-privadas por princípio. Entendo que, quando bem planejadas e executadas, elas podem resultar em melhorias na prestação de serviços. Infelizmente, vejo lacunas substanciais que me impedem de ser favorável ao projeto de privatização da Sabesp.
O argumento central do governo é o da antecipação da “universalização” do saneamento. No entanto, essa universalização segue o Marco Legal do Saneamento Básico, que prevê 99% de cobertura de água e 90% de coleta e tratamento de esgoto. Ocorre que a Sabesp, com seus próprios recursos, já atingiria os mesmos resultados em 2033. A cidade de São Paulo, por exemplo, já tem índices maiores de coleta e tratamento de esgoto. Não seria o caso de sermos mais ousados e buscarmos efetivamente nos aproximar da real universalização?
Com o dinheiro obtido com a venda das ações, não poderíamos buscar atingir 98% de coleta e tratamento de esgoto? Ao invés de almejar isso, o projeto destina 70% dos recursos provenientes da privatização para o caixa do Estado, sem qualquer relação com saneamento.
Outro destaque é a falta de um plano de investimento detalhado. Como garantir investimento para a universalização sem tal informação? Como saber se as pessoas em situação de vulnerabilidade serão priorizadas? A ausência de transparência é preocupante. O risco é o de enfrentarmos em pouco tempo os famosos reequilíbrios econômico-financeiros contratuais, onerando o Estado e a população.
É louvável a preocupação do governo em manter baixa a tarifa de água. Os volumosos investimentos para a universalização, sendo a Sabesp privatizada ou não, irão pressionar por tarifas mais altas. Porém, o Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo tem como objetivo principal a modicidade tarifária na Unidade Regional de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário 1 – Sudeste (URAE1). Ou seja, o dinheiro de todo o Estado (30% do valor da venda mais os dividendos) beneficiará principalmente os municípios que são atendidos hoje pela companhia, o que não é justo. Mais uma vez, não há critério de como o fundo funcionará. Já a tarifa social, alívio financeiro para muitas famílias de baixa renda, não tem garantia de manutenção. Trata-se de uma ferramenta de inclusão importante que não pode ser flexibilizada ou subestimada.
Merece, ainda, mais atenção a falta de critérios quanto à qualidade e à regularidade na prestação do serviço. A Sabesp, uma empresa consolidada e lucrativa, tem sido entregue a incertezas que podem comprometer a eficiência conquistada ao longo dos anos. A população merece respostas sobre como esses serviços serão mantidos e aprimorados. À luz do recente caos com a Enel, entendemos que tais critérios importam muito.
Não é razoável esperar que todas as lacunas da proposta sejam resolvidas eventualmente apenas no contrato a ser celebrado com a concessionária após o processo de privatização. Como deputada, é meu papel zelar e garantir que essa discussão anteceda a aprovação da privatização. Por isso, sou contra o projeto. Não se trata de mera oposição vazia ou de ideologia, mas de preocupação com a qualidade e o melhor custo-benefício para a população paulista.
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DEPUTADA ESTADUAL (REDE-SP), É COORDENADORA DA FRENTE PARLAMENTAR AMBIENTALISTA PELA DEFESA DAS ÁGUAS E DO SANEAMENTO