É indiscutível a posição em que o Brasil se encontra no que diz respeito à exploração e produção de petróleo no cenário mundial. Segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), atualmente são produzidos 3,5 milhões de barris diários, o que nos insere na posição de 9.º maior produtor mundial, com a expectativa de que até 2030 a 5.ª posição seja atingida.
Concomitantemente, o Brasil também possui, em sua jurisdição, a maior floresta tropical do mundo. Com 5 milhões de quilômetros quadrados, incontável número de espécies, 28 milhões de habitantes em seu interior e aproximados 10% de contribuição para o PIB atual, a Amazônia é um relevante ativo e sua preservação é recorrentemente vinculada à continuidade da vida humana na Terra.
Em face desta realidade, com muita frequência observamos um acalorado debate que envolve a emissão de licenças ambientais pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na Bacia da Foz do Amazonas. Neste tema, recentemente um pontual processo de licenciamento teve seu foco convertido para uma análise de rearranjo político de conveniência e oportunidade sobre qual deve ser o papel do Brasil na geopolítica energética global à luz da preservação da Amazônia.
Em outras palavras, parte da opinião pública nacional, valendo-se do fato de que o Acordo de Paris prevê a redução do uso de combustíveis fósseis, alinhado ao aquecimento global e à transição energética de forma justa, entende que o Ibama deveria indeferir o pedido de licenciamento e, consequentemente, impedir que qualquer pretensão exploratória naquele local seja permitida.
Sabe-se que o indeferimento parcial do pedido de licença, que aguarda análise de recurso proposto em maio passado, é concentrado em aspectos técnicos que não guardam relação direta com política energética, uma vez que o corpo técnico do Ibama solicitou a revisão das considerações submetidas por causa de alegada insuficiência técnica de estrutura de resposta à emergência de embarcações.
A despeito deste fato e de nossa expectativa para que seja encontrada uma solução sustentavelmente segura e tecnicamente viável para este licenciamento, seria ingênuo imaginarmos que outros pedidos que estão por vir tramitarão com tranquilidade, sem que se discuta a pertinência de explorar hidrocarbonetos naquela bacia e mesmo em toda a Margem Equatorial.
Qualquer que seja o desfecho dos próximos meses, este tema oportunamente voltará à pauta com a reflexão sobre viabilidade exploratória e a posição do Brasil no contexto de produtor global de hidrocarbonetos e garantidor da conservação da Floresta Amazônica. Acreditamos que ambas as agendas podem ser complementares e coexistentes, o que dependeria de rearranjo institucional e regulatório, mas principalmente de aceitação mútua de realidades distintas.
Observamos que, ao longo dos últimos meses, argumentava-se que poderíamos dispensar o potencial energético na Margem Equatorial, hoje estimado em 30 bilhões de barris também segundo a ANP, principalmente por causa de uma admirável contribuição das fontes renováveis que o Brasil tem em sua matriz energética. Esse argumento parece ignorar que, sem desmerecer o ótimo cenário em que estamos, ainda persistirá uma considerável demanda mundial por hidrocarbonetos por algumas décadas, o que permite o posicionamento do Brasil como relevante exportador e gerador de riquezas para sua população local.
Diante de todo este contexto, a atual encruzilhada não deveria ser interpretada como algo inconciliável, em que as referidas agendas de produção petrolífera e preservação da Amazônia seriam, em tese, conflitantes. Há espaço para que ambos os interesses sejam respeitados, o que demandará vontade política, conciliação e o remanejamento dos atuais arranjos institucionais.
Hoje, já na prática, durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos, que começa com as atividades de sísmica e de perfuração, por causa de condicionantes estipuladas pelo Ibama, a indústria de óleo e gás produz muito mais informações primárias sobre o meio socioeconômico do que qualquer outra atividade comercial ou científica. São milhões de dólares investidos para que as decisões possam ser tomadas com a necessária segurança.
Ademais, no âmbito da Lei Federal n.º 9.478/1997 são previstos os tipos de encargos financeiros com que os concessionários-produtores da indústria devem arcar, entre estes os conhecidos royalties e participações especiais. A esse respeito, existe uma grande oportunidade político-legislativa para que este tipo de regramento seja acrescido de disposições específicas, via alteração legal e/ou aditamento de contratos em concessão em andamento, estabelecendo que uma parcela destes mesmos encargos seja direcionada para soluções baseadas na natureza para a mesma região amazônica, de forma que a manutenção da floresta em pé seja devidamente remunerada.
Inúmeras são as oportunidades de fazer com que o aproveitamento de um recurso seja o alavancador do outro. No caso, caberia à exploração de hidrocarbonetos – que são e ainda serão por um bom tempo a fonte mais firme e de mais fácil transporte disponível no mercado – a responsabilidade por financiar a manutenção sustentável da intangível riqueza socioambiental, incluindo neste conceito a manutenção, também com dignidade, das populações regionais, como base para essa sustentabilidade.
Como exemplos de modalidades positivas, teríamos a destinação de verbas para o manejo e a regularização fundiária de unidades de conservação, o fomento, a capacitação e subsídios ao mercado de carbono local, o suporte em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para sequestro de carbono, talvez até culminando com a destinação de parte destas verbas de pesquisa para a criação e manutenção de uma universidade amazônida, voltada para a preservação da cultura dos povos originários e a valorização de produtos gerados por projetos extrativistas. São tantas e diversas as possibilidades, que bastaria a vontade política para pôr em prática ações que seriam referência para o mundo.
O debate sobre o modelo a ser adotado é demasiadamente extenso e precisa ser aprofundado, uma vez que, infelizmente, pouco se discute sobre essa ideia – preferindo-se tão somente determinar a paralisação e/ou proibição integral de atividades em blocos exploratórios que foram regularmente licitados com o aval do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e suas entidades participantes (incluindo o Ministério do Meio Ambiente).
A grande verdade é que temos duas grandes oportunidades pela frente e há espaço para mútuo desenvolvimento. Ou seja, é viável, justo e legítimo que o Brasil, a despeito de sua louvável matriz, aproveite a demanda mundial de hidrocarbonetos que ainda persistirá por algum tempo, com foco principal em desenvolver e melhorar a condição de vida de sua própria população, na medida em que a nossa inércia, se concretizada, permitirá que outros países produtores usufruam desta última janela de demanda. Tão importante quanto isso são o próprio incentivo à economia verde e a remuneração da floresta em pé e dos seus beneficiários na Amazônia. Há espaço para que essas agendas se comuniquem e se retroalimentem, com benefícios para todos, aplicando-se os incentivos corretos.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, GEÓLOGO, COUNTRY MANAGER DA TGS, E ADVOGADO