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Opinião | Quando a ausência custa caro ao SUS

Poucos percebem que faltar a uma consulta marcada é como comprometer uma engrenagem crucial para o funcionamento de todo o sistema

Por Leonardo Barchik

O Sistema Único de Saúde (SUS) é, sem dúvida, uma das maiores conquistas da nossa democracia. Ele representa a promessa de um Brasil mais justo, em que a saúde deixa de ser um privilégio para se tornar um direito de todos, sem distinção de renda ou localização. No entanto, esse gigante que sustenta a saúde de milhões de brasileiros tropeça no vazio deixado por ausências. São consultas que não acontecem, exames perdidos, cadeiras vazias e horários que poderiam ser utilizados por outros pacientes. A cada falta, uma porta se fecha para quem aguarda do outro lado. O absenteísmo corrói o que há de mais valioso no SUS: a chance de salvar vidas.

Uma simples falta, muitas vezes vista como algo inofensivo pelo usuário, desencadeia consequências profundas. Não se trata apenas de desperdício de tempo e recursos, mas de uma oportunidade perdida para atender outros que também esperam. Quando consultas e exames não são realizados, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado são adiados, permitindo que doenças que poderiam ser evitadas ou controladas se agravem. Imagine uma paciente idosa que espera há meses por uma endoscopia essencial para diagnosticar um câncer de estômago, ainda desconhecido. Agora, visualize oito pacientes que, sem aviso, não compareceram ao exame agendado no mesmo dia, enquanto aquela paciente permanecia em casa à espera. O absenteísmo expõe este descompasso: o silêncio de uns amplifica a angústia daqueles que contam os dias para serem atendidos.

No Brasil, estima-se que o absenteísmo na saúde atinja cerca de 25%, tanto em consultas quanto na realização de exames pelo SUS. Esse índice não representa apenas a perda de oportunidade de tratamento para milhares de pessoas, mas também um custo financeiro considerável. Estudos indicam que o desperdício causado pelas ausências pode ultrapassar bilhões de reais anualmente, comprometendo o orçamento já limitado da saúde pública. Muitos veem o SUS como algo garantido, mas poucos percebem que faltar a uma consulta marcada é como comprometer uma engrenagem crucial para o funcionamento de todo o sistema. Cada agendamento, além de ser um compromisso pessoal, é uma peça essencial que, se negligenciada, priva outros cidadãos do atendimento que também merecem.

O absenteísmo no SUS é tanto um problema organizacional quanto uma questão cultural. A falta de conscientização sobre a importância de comparecer é intensificada pela ausência de punições. Ao contrário do setor privado, em que multas e cobranças desencorajam faltas, no SUS, não há custo direto para o paciente. No entanto, o impacto no sistema e nos outros usuários é imenso. Para enfrentar essa realidade, quem sabe o caminho seja implementar novas estratégias educativas e sistemas de comunicação mais ágeis. Ferramentas simples de cancelamento, que permitam ao usuário informar sua ausência de maneira rápida, podem ser um passo essencial.

Mais que um obstáculo, as ausências são uma barreira que limita o alcance e a eficiência dos serviços destinados à população. Esse problema resulta no desperdício de recursos e em uma sobrecarga, dificultando a construção de um sistema de saúde verdadeiramente universal e igualitário. Em vez disso, essas faltas nos afastam desse objetivo, comprometendo a cobertura e criando um círculo vicioso de ineficiência. Como uma corrente quebrada, o sistema perde a força necessária para seguir em frente, deixando de cumprir sua missão de cuidar de quem nele confia.

É urgente adotar uma nova perspectiva, em que cada agendamento seja encarado não apenas como uma responsabilidade individual, mas também como um compromisso coletivo que impacta o bem-estar de todos. O absenteísmo não é um problema isolado; ele é um desafio que exige a união de gestores, profissionais de saúde e usuários para preservar a essência do SUS. Para isso, talvez seja preciso dar um passo atrás e fortalecer a saúde preventiva como base para um sistema sustentável e eficaz. O SUS, maior símbolo de inclusão e justiça social, não pode ser deixado à deriva por algo tão simples, mas tão devastador. Afinal, quando um falta, muitos pagam o preço da negligência.

Cada ausência é uma lacuna que enfraquece o sistema, e cabe a todos nós preenchê-la para garantir que a saúde seja um direito acessível a todos.

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É GERENTE ADMINISTRATIVO DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CAJURU, COM ATENDIMENTO EXCLUSIVO VIA SUS

Opinião por Leonardo Barchik

É gerente administrativo do Hospital Universitário Cajuru, com atendimento exclusivo via SUS