Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião | Quando a Palestina se tornar livre do rio ao mar

Quem seriam os cidadãos desse novo Estado palestino? Aqui não há espaço para um cenário de ficção, porque não há espaço para judeus em um país conduzido pelo Hamas

Por Daniel Kignel e Isadora Fingermann

Nos parece óbvio, mas merece ser dito: Israel não deixará de existir. Os judeus israelenses permanecerão em Israel; os muçulmanos israelenses permanecerão em Israel; os cristãos israelenses permanecerão em Israel. Nenhum cidadão israelense deixará a sua nação, cuja criação, votada pela Organização das Nações Unidas (ONU), está lastreada no legítimo movimento do povo judeu de autodeterminação em sua terra ancestral.

Estabelecida essa premissa, propomos aqui um exercício de imaginação, no qual a Palestina se torne “livre do rio ao mar”, como parece desejar uma massa de indignados cuja maioria, se indagada, dificilmente saberia dizer de qual rio e de qual mar estamos falando. Aos que desconhecem o verdadeiro significado do jargão de que fazem uso com uma paixão inconsequente, o rio e o mar são o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo. Entre eles, está localizado o Estado de Israel.

Palestina livre do rio ao mar, portanto, teria como resultado imediato o desaparecimento do Estado de Israel. Mas o que aconteceria depois disso?

Nesse futuro distópico, tão logo Israel deixasse de existir, o governo palestino assumiria o controle de todo o território. Mas quem representa o governo palestino, se a Cisjordânia é liderada pela Autoridade Palestina, enquanto Gaza é (des)governada pelo Hamas? Duas facções opostas, que inclusive já pegaram em armas uma contra a outra há quase 20 anos, na última eleição ocorrida em Gaza. A tradição totalitária dos atuais governantes palestinos faz da ideia de uma eleição democrática nada além de um mero devaneio.

Mas apenas para que seja possível seguir no exercício de reflexão aqui proposto, imaginemos, ao menos nestas linhas, que o povo palestino fosse autorizado a exercer o direito ao voto. Aqui se imporia mais um desafio: quem poderia votar? Em Gaza, território controlado pelo Hamas, os direitos das mulheres são cerceados por seus líderes. Regras rígidas de controle de diversos aspectos de suas vidas são impostas pelo grupo terrorista, posicionamento calcado não na concepção da garantia universal dos direitos humanos, mas sim no fundamentalismo religioso que invariavelmente impede a emancipação das mulheres em sociedades totalitárias. É assim no regime iraniano dos aiatolás; é assim no regime afegão do Taleban; não poderia ser diferente no regime tirânico do Hamas. Fosse atualmente o voto uma possibilidade em Gaza, as cidadãs palestinas assistiriam aos seus pais e maridos tomando as decisões por elas.

Qual destino imaginamos, então, para os cidadãos dessa nova Palestina, “livre do rio ao mar”, que não sigam a fé islâmica? Mais de 25% da população israelense é composta por cidadãos não judeus, em sua maioria muçulmanos. Seus direitos são exatamente os mesmos dos judeus, não havendo absolutamente nenhuma distinção, hierarquização ou classificação. Para ser um cidadão israelense, com todos os seus direitos assegurados, não é, e nunca foi, necessário ser judeu. Partindo do que conhecemos hoje sobre o Hamas, não parece crível que judeus que permanecessem no território palestino fossem autorizados a viver de modo igualitário.

Mas há algo ainda mais grave nesse cenário ficcional, elemento que deveria ocupar lugar central no debate público, mas sobre o qual aqueles que defendem uma Palestina “livre do rio ao mar” silenciam. Quem seriam os cidadãos desse novo Estado palestino? Aqui não há espaço para um cenário de ficção, porque não há espaço para judeus em um país conduzido pelo Hamas.

O Hamas não deseja apenas o fim de Israel, mas o extermínio completo dos judeus. Não somos nós quem dizemos isso, mas o próprio estatuto do grupo terrorista, sua carta de fundação. O Hamas já era um movimento terrorista muito antes do dia 7 de outubro de 2023, e negar esse fato deveria ser motivo de profunda vergonha. Infelizmente, os tempos são estranhos, e o que ecoa desde então é apenas silêncio. Silêncio dos defensores dos direitos humanos diante do massacre de 1.200 civis, estopim para a guerra atual. Silêncio dos defensores e defensoras dos direitos das mulheres diante da dilacerante violência sexual suportada pelas vítimas israelenses, comprovada à exaustão. Silêncio das organizações internacionais que nada disseram e nada fazem para trazer os reféns israelenses – tanto os vivos quanto aqueles já executados – de volta para suas casas.

A Palestina livre do rio ao mar é o mesmo que o extermínio em massa dos mais de 7 milhões de judeus que residem em Israel. Na melhor das hipóteses, parte da população seria exilada ou expulsa, exatamente como ocorreu na grande maioria dos países árabes da região após 1948, quando judeus foram obrigados a deixar tudo para trás em lugares como Líbia, Síria, Iraque, Egito, Argélia e Iêmen. Clamar pelo fim do Estado de Israel é antissemitismo, puro e simples. A única solução para o conflito é o estabelecimento de dois Estados, que possam conviver de forma pacífica, como Israel vem fazendo com a esmagadora maioria de seus vizinhos. A Palestina deve mesmo se ver livre; mas livre do Hamas.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, ADVOGADO CRIMINALISTA, DIRETOR JURÍDICO DA FEDERAÇÃO ISRAELITA DO ESTADO DE SÃO PAULO; E ADVOGADA CRIMINALISTA

Opinião por Daniel Kignel

Advogado criminalista, é diretor jurídico da Federação Israelita do Estado de São Paulo

Isadora Fingermann

Advogada criminalista