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Opinião | Que legado o Brasil vai entregar para os seus cidadãos em 2033?

O investimento em saneamento no Brasil está aquém do necessário, e não haverá melhoria na oferta de serviços se não houver capacidade financeira dos operadores de saneamento

Por Luana Siewert Pretto

No horizonte de dez anos, o Brasil terá de prestar contas aos seus cidadãos. Em 2033, será possível observar se o projeto nacional de levar água tratada para 99% da população e de coletar e tratar 90% do esgoto gerado no País terá sido bem ou mal sucedido. A rigor, essas são as principais metas do Marco Legal do Saneamento (a Lei n.º 14.026), em vigor desde 2020.

Num país que ainda tem 35 milhões de pessoas sem acesso aos serviços de água tratada, onde cerca de 100 milhões ainda estão afastados dos serviços de coleta de esgoto, esta será a conversa mais importante que o Estado brasileiro terá de conduzir com as milhões de pessoas desassistidas de serviços tão básicos.

Embora dez anos sejam muito tempo para muitas atividades – no esporte, é o tempo de dois ciclos olímpicos e meio –, na infraestrutura, tempo e disponibilidade de recursos são variáveis fundamentais para o sucesso de qualquer empreitada e que, ao mesmo tempo, disputam atenção com demandas igualmente urgentes no País, como o combate à fome, por exemplo – 31 milhões de brasileiros enfrentam insegurança alimentar grave, segundo relatório da Rede Penssan, número similar ao de pessoas sem água potável no País.

Ainda que o desempenho passado não seja a melhor régua para medir o futuro, olhar para o que tem sido feito no País nos últimos anos pode ser interessante para projetar os caminhos que precisam ser traçados a fim de que o resultado em 2033 seja o melhor possível.

Olhando para trás, no período de 2017 a 2021 (ano-base da atualização mais recente nos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), é possível observar que em 2017 a oferta de água potável no País alcançava 83,4% da população. Passados cinco anos, o indicador aponta para uma cobertura de 84,2% dos brasileiros, aumento de 0,8 ponto porcentual.

Nos serviços de coleta de esgoto, por sua vez, em cinco anos a evolução da cobertura foi de 3,4%, passando do patamar de 52,4%, em 2017, para 55,8% em 2021. Sobre o tratamento deste esgoto gerado, observou-se uma evolução maior (um avanço de 6,1 pontos porcentuais), que partiu de 45,1% para alcançar os 51,2% nos patamares mais atuais.

Em resumo, o período 2017-2021 é de calmaria na corrida pela universalização do saneamento no Brasil. Se o tempo, por si só, não traz o ritmo necessário para a universalização, o cerne da questão passa pela capacidade de investimento dos operadores de saneamento responsáveis pelos serviços em cada um dos municípios do País.

Afinal, saneamento é serviço de infraestrutura que demanda acesso a recursos financeiros para que obras sejam feitas, a manutenção das redes seja contemplada e se possa investir em inovação para a oferta de melhores serviços.

O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) indica que o patamar médio anual ideal de investimento por habitante para a universalização dos serviços até 2033 seria de R$ 203,51. Entre 2017 e 2021, contudo, observa-se que o investimento médio por habitante saiu do patamar de R$ 65,74 para R$ 82,71 – o que significa dizer que, mesmo com avanço superior a 25%, o investimento precisaria mais do que dobrar para alcançar o ritmo ideal.

A garantia de capacidade de investimento é, inclusive, o pano de fundo de uma das inovações mais transformadoras trazidas pelo Marco Legal do Saneamento. O texto do Decreto n.º 10.710, de maio de 2021, trouxe como obrigatoriedade aos prestadores dos serviços de água e esgoto estaduais a comprovação de sua capacidade econômico-financeira para o cumprimento de contratos em vigor, a fim de viabilizar os investimentos necessários para a universalização.

Neste contexto, preocupam os dados do Ranking do Saneamento 2023, divulgado pelo Instituto Trata Brasil e GO Associados, que analisa os indicadores das 100 cidades mais populosas do País. No grupo das 20 piores cidades ranqueadas, nos 11 casos de operação estadual em que a comprovação dessa capacidade financeira foi conduzida, 6 deles estavam com os contratos irregulares pela não comprovação. Já no grupo das 20 melhores cidades, todas as 12 operações de companhias estaduais são de operadores com capacidade de investimento comprovada.

Há, portanto, uma constatação bastante clara de que o investimento em saneamento no Brasil está aquém do necessário e de que não haverá melhoria na oferta de serviços se não houver capacidade financeira dos operadores de saneamento.

Estamos, portanto, diante de um impasse. Ao mesmo tempo que precisamos fomentar o investimento com rapidez, está na agenda pública do País o anúncio da Casa Civil, do governo federal, de que um novo decreto no âmbito da Lei n.º 14.026/2020 deverá trazer alterações ao regramento vigente. Uma dessas alterações poderia, inclusive, ter impacto na regra de comprovação econômico-financeira, suavizando o seu teor.

Em dez anos, o País deverá prestar contas à população sobre a universalização dos serviços. Que legado o Brasil vai entregar para os seus cidadãos em 2033?

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PRESIDENTE EXECUTIVA DO INSTITUTO TRATA BRASIL

Opinião por Luana Siewert Pretto