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Opinião|Reflexos de uma reunião com os ganhadores do Prêmio Nobel

Dos 5 brasileiros que estavam na ilha de Lindau, apenas 1 mora hoje no Brasil. Passou da hora de termos políticas concretas para valorização da ciência

Por Gustavo Rosa Gameiro e Paulo Schor

Ganhar um Prêmio Nobel é, certamente, se não a maior, uma das maiores honrarias da ciência. Talvez esse crédito se deva também por certo mistério em razão do sigilo do processo. O prestígio da medalha vem acompanhado de grande responsabilidade política e social. Conhecer um laureado é algo marcante na vida de um pesquisador.

Com base no binômio pesquisador-orientador, já consagrado nos nossos cursos de pós-graduação, formatamos modelos mentais e escolhemos caminhos. Infelizmente, é pouco escalável e sustentável financeiramente tamanha personalização e intensidade nas relações. Felizmente, trazemos aqui a repercussão de um desses eventos raros, em que foram reunidos numa pequena ilha vários desses premiados com jovens cientistas do mundo inteiro para conversar, sem formalidades, durante uma semana. Esse é o propósito da Lindau Nobel Laureate Meeting, que ocorre anualmente na ilha de Lindau, na Alemanha.

Em 2023, a 72.ª edição da reunião foi dedicada às áreas da Fisiologia e da Medicina reunindo mais de 40 ganhadores do Prêmio Nobel com 600 brilhantes jovens cientistas de 89 países. Segundo os organizadores, foi a reunião mais diversa até então. A Academia Brasileira de Ciências nomeou cinco brasileiros para participar da reunião, e eles tiveram suas candidaturas analisadas pela fundação Lindau Nobel. Um de nós foi um desses competentes felizardos.

Diversidade foi um dos temas centrais do encontro. Diversidade de gênero, raça, nacionalidades, gerações, pessoas, pensamentos e ideias. Bastava circular pelo saguão principal de Inselhalle para, observando os crachás, as aparências e os sotaques dos participantes, notar rapidamente que estávamos fora da nossa bolha, da nossa zona de conforto.

O mote institucional do momento é diversidade, equidade e inclusão (DEI), e lembramos aqui uma definição lida no consulado americano em São Paulo, de que diversidade é ser convidado para o baile e inclusão é ser chamado para dançar. Será que estamos nessa etapa de envolvimento profundo ou na superfície do assunto?

Se, por um lado, a própria Fundação Nobel, de Estocolmo, e a Fundação Lindau vêm buscando soluções para trazer mais diversidade para o encontro, por outro, entre os ganhadores do Prêmio Nobel percebemos tons pastéis, e não cores de Almodóvar, refletidas nos jovens cientistas. O Brasil, por exemplo, ainda não tem nenhum ganhador do Prêmio Nobel. O que fazer, como sociedade, para esse processo mudar?

Outro aspecto que devemos discutir, escancarado mesmo na delegação brasileira, é a “fuga de cérebros”. Dos cinco brasileiros que estavam lá, apenas uma, no momento, mora no Brasil. A colaboração internacional deve, sim, ser celebrada, afinal é na diversidade que somos mais fortes. Entretanto, passou da hora de termos políticas concretas para valorização da ciência como o investimento de parcela expressiva do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em pesquisas e tecnologia e condições dignas para os pesquisadores.

Programas como doutorados sanduíche, que sinalizam para a importância do estágio no exterior e comprometem o estudante com sua volta ao País, ainda são pouco utilizados e – arriscamos dizer – tem sido menos buscados do que antes. As condições de subsistência com o valor da bolsa no exterior, sem dúvida, são um fator de restrição, mas quem sabe estejamos procurando menos problemas do que antes?

Fato é que temos um viés inconsciente de privilegiar indivíduos mais parecidos com a gente. Destarte, a ciência e a academia, espelhando a sociedade, não são justas! Ingenuidade pueril não admitir isso. Porém, se olharmos com mais calma, vemos que grande parte daqueles que fazem ciência nos países desenvolvidos é, na realidade, estrangeira.

Professor Patel, entusiasta de Inteligência Artificial (IA) e tecnologia, frisou que a geração atual, em razão do acesso a ferramentas disponíveis atualmente, é a que tem o maior poder para mudar a sociedade. Como a professora Frances Arnold recomenda: o primeiro passo é se inquietar! A comunidade científica, a sociedade civil e os governantes precisam pensar juntos em formas de colorir a ciência!

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, MÉDICO, REPRESENTANTE DO BRASIL NA MAIS RECENTE EDIÇÃO DO LINDAU NOBEL LAUREATE MEETING; E MÉDICO OFTALMOLOGISTA, COORDENADOR ADJUNTO DE PESQUISA PARA INOVAÇÃO DA FAPESP

Opinião por Gustavo Rosa Gameiro e Paulo Schor