Na reabertura do ano legislativo não se ouviu menção alguma à necessária reforma administrativa do Estado brasileiro. É a triste face visível da falta de prioridade do Legislativo ao tema.
Considerando a importância da reforma para uma convivência social, igualitária e democrática, para o crescimento econômico e o fortalecimento das instituições públicas, é de se perguntar: o que paralisa o processo decisório do nosso sistema político em relação à reforma administrativa?
A reforma tem três grandes objetivos: primeiro, qualificar a tomada de decisões sobre as políticas públicas e seus orçamentos, ou seja, priorizar, tanto no planejamento governamental quanto na peça orçamentária enviada pelo Poder Executivo ao Parlamento, as principais provisões de serviços e bens públicos, como saúde, educação e segurança pública. Segundo, garantir que o debate e a aprovação no Parlamento sejam orientados pelas prioridades nacionais, de forma que os interesses da sociedade se sobreponham aos interesses particulares. Terceiro, dotar a administração pública de competências para implementar as decisões com eficiência, eficácia, efetividade e transparência, condições que não convivem com clientelismo, patrimonialismo e corporativismo na gestão dos recursos.
Importante ressalvar que a boa gestão pública depende, fundamentalmente, de sua profissionalização; da existência de critérios meritocráticos para nomeação em cargos de confiança; de regras de gestão e controle que privilegiem resultados; de segurança jurídica dos gestores e da continuidade administrativa, uma vez que mudanças consistentes nas práticas de gestão no setor público, capaz de gerar resultados para a população, ultrapassam vários governos. Além disso, outro fator relevante é a articulação e coordenação dos vários níveis de governo, considerando a dependência, entre eles, da prestação de serviços públicos com interferência direta na vida cotidiana das pessoas.
Uma análise aprofundada sobre as dificuldades de evoluirmos na direção desses objetivos indica que o lobby de grupos com interesses no setor público está entre os principais fatores que comprometem a capacidade de entrega de resultados da administração pública que atendam as expectativas da sociedade.
No debate atual sobre a reforma administrativa, apenas a corporação dos servidores públicos é apresentada como responsável pela paralisação do processo decisório, embora a pressão das corporações do serviço público seja somente um entre os diversos grupos representados no Parlamento com interesse nas despesas orçamentárias.
Na tramitação recente da reforma tributária no Congresso Nacional, constatamos a força de tais grupos, ao conseguirem privilégios na redução de alíquotas para seus segmentos, em detrimento do interesse mais geral do País.
Vale lembrar que o Orçamento da União para 2025, recentemente divulgado, contempla R$ 540 bilhões em gastos tributários para beneficiar grupos empresariais e contribuintes do Imposto de Renda. Seriam todos justificáveis de acordo com o interesse coletivo?
O volume e a destinação das emendas parlamentares também escancaram a dificuldade de priorizar os gastos orçamentários. Na maioria das vezes, trata-se de gastos sem relação com um planejamento público coerente e que resultam em fragmentação da execução orçamentária. É fácil concluir que estamos desperdiçando recursos e comprometendo a qualidade e eficiência da prestação dos serviços públicos.
A atuação dos grupos de interesse no Congresso Nacional, por óbvio, precisa ser feita à luz do dia e deve comprovar o interesse público.
Em recente palestra, o economista Marcos Lisboa relacionou a distribuição de benefícios no País com a nossa elevada carga tributária, refletindo como a transferência de recursos vem sendo estabelecida para todas as classes da sociedade - rica, média e pobre. A ação do Estado evidencia, assim, a falta de prioridade no enfrentamento dos problemas do País e a prática de acomodar no Orçamento Público as demandas dos vários grupos de pressão. Destaque-se que benefícios orçamentários criados, dificilmente são anulados posteriormente. Exemplos recentes são a renovação dos benefícios da Zona Franca de Manaus, a prorrogação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e da desoneração da folha de pagamento, entre outros.
Há uma gama diversificada de desafios colocados para a gestão pública que envolvem superar questões de governabilidade e governança. São fatores que impactam negativamente a boa gestão, criam dificuldades para o governo construir apoio político no Parlamento em torno de projetos que enfrentem os reais problemas que afligem o dia-a-dia das pessoas e dificultam uma efetiva articulação e cooperação federativa. Acresce-se, ainda, a herança de uma cultura política patrimonialista da relação da sociedade com o Estado.
Há uma simplificação do debate ao se apontar o Poder Executivo como único responsável pela qualificação da gestão pública ou apresentar como solução a eleição de um salvador da Pátria. São visões que confundem a opinião pública e não contribuem para esclarecer a população sobre os reais desafios que a administração pública precisa enfrentar para entregar os resultados esperados pela sociedade.
É fundamental ressalvar que uma reforma administrativa requer mudanças nas instituições políticas e judiciárias. Em essência, seria melhor nomear o conjunto de ações necessárias para qualificar a gestão pública como reformas do Estado. Todos os Poderes e níveis de governo são responsáveis pelo bom funcionamento da prestação de serviços públicos, pois interferem nas regras de gestão e controle, nos objetivos a serem alcançados pelas políticas públicas e na alocação orçamentária. É, seguramente, uma obra coletiva.