Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Reforma do Código Civil: debate é bem-vindo, mas com prazo para acabar

A demora na aprovação de uma reforma tão abrangente pode ter efeitos negativos não só no ambiente jurídico, mas também na economia e nas relações sociais

Por Alan Bousso

Desde abril de 2024, a tramitação da reforma do Código Civil no Senado tem gerado um intenso debate sobre as mudanças propostas para modernizar um dos pilares legislativos mais importantes do Brasil. O Código Civil vigente, que já conta com mais de 20 anos, precisa ser atualizado para refletir as transformações sociais, econômicas e tecnológicas que ocorreram ao longo desse período. Contudo, a complexidade das mudanças exige um equilíbrio entre a discussão aprofundada e a necessidade urgente de conclusão para garantir a segurança jurídica.

Dentre os pontos da reforma, a questão da filiação socioafetiva é uma das mais comentadas. A jurisprudência atual já reconhece essa forma de filiação, que se baseia nos laços afetivos e não nos vínculos biológicos entre pais e filhos. A inclusão dessa modalidade no Código Civil traz segurança jurídica para milhares de famílias que se enquadram nesse perfil, evitando litígios futuros e garantindo os direitos dessas crianças e adolescentes. Essa inovação é um avanço significativo na proteção dos direitos das crianças e adolescentes. Ao consagrar a filiação socioafetiva, o novo Código Civil se alinha com uma visão mais abrangente e inclusiva da família, que vai além dos vínculos biológicos e incorpora laços de afeto e convivência como elementos constitutivos da parentalidade.

Outro ponto importante da reforma é a flexibilização do regime de bens no casamento. O projeto de reforma sugere que os casais possam escolher, de forma mais autônoma, o regime patrimonial que melhor se adequa às suas necessidades, incluindo a possibilidade de alterar o regime após o casamento. Essa medida acompanha as mudanças nas dinâmicas familiares e nas relações de gênero, oferecendo maior liberdade e adaptabilidade às realidades dos casais modernos. Além disso, a possibilidade de alteração do regime patrimonial ao longo do casamento permite que os cônjuges ajustem suas decisões às mudanças nas suas condições de vida, o que contribui para a harmonização das relações patrimoniais e a redução de conflitos.

Merece também destaque a introdução do contrato preliminar no Código Civil, um tipo de contrato que já é utilizado na prática para formalizar negociações em estágio inicial, dando mais segurança jurídica às partes envolvidas antes de se comprometerem formalmente. A inclusão dessa figura legal no Código Civil pode reduzir disputas contratuais e promover um ambiente de negócios mais seguro. Ao regulamentar essa prática, a reforma reforça a segurança jurídica e a previsibilidade nas relações contratuais, elementos essenciais para a estabilidade e o desenvolvimento econômico.

As alterações nos direitos sucessórios também têm gerado controvérsias. A proposta em tramitação sugere mudanças na figura do herdeiro necessário, o que poderia modificar significativamente a distribuição de bens em caso de falecimento. Essa mudança visa a alinhar o Código Civil às novas realidades familiares, em que as estruturas familiares tradicionais convivem com novos arranjos, como famílias recompostas e relações socioafetivas. A flexibilização das regras de sucessão busca modernizar o Direito das Sucessões, com a proteção de novas configurações familiares. No entanto, essa proposta também levanta preocupações sobre possíveis injustiças e desequilíbrios na divisão do patrimônio.

Considerando-se o impacto potencial dessas mudanças, é indiscutível que a reforma do Código Civil exige um debate minucioso. A legislação civil afeta diretamente a vida dos cidadãos, regulando desde o nascimento até a morte, passando por temas como casamento, divórcio, propriedade e contratos. Por isso, cada mudança proposta deve ser analisada à luz dos princípios fundamentais do Direito, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a justiça, para que o novo Código Civil seja um instrumento eficaz na promoção desses valores.

No entanto, o que preocupa é a possibilidade de o debate se estender por tempo indefinido, gerando incertezas e insegurança jurídica. É essencial que o processo legislativo avance com celeridade, sem comprometer a qualidade das discussões, para que o novo Código Civil possa ser implementado em um prazo razoável. A demora na aprovação de uma reforma tão abrangente pode ter efeitos negativos não só no ambiente jurídico, mas também na economia e nas relações sociais. A incerteza sobre as novas regras pode levar à paralisação de negócios, à insegurança nas relações contratuais e à falta de proteção adequada em situações de vulnerabilidade.

Ao analisarmos reformas similares em outros países, como Portugal e Alemanha, vemos que a eficiência no processo legislativo é crucial para garantir a segurança jurídica. Em Portugal, a reforma foi conduzida com ampla participação social, mas com prazos bem definidos, evitando que o debate se arrastasse. Na Alemanha, a modernização do Código Civil também seguiu uma abordagem pragmática, de modo que mudanças foram implementadas de forma ágil e sem sacrificar o rigor jurídico. Esses exemplos mostram que é possível conduzir uma reforma abrangente e complexa sem comprometer a qualidade do debate ou a segurança jurídica.

No Brasil, a reforma do Código Civil é uma necessidade inadiável, uma diretriz fundamental para um país em constante transformação. O novo Código Civil deve ser um reflexo das realidades atuais, mas também precisa ser implementado rapidamente para assegurar estabilidade e previsibilidade nas relações jurídicas. É hora de fechar os debates e avançar para a aprovação final, garantindo que o País tenha um Código Civil à altura das demandas do século 21.

*

ADVOGADO, É MESTRE EM DIREITO PELA PUC-SP

Opinião por Alan Bousso

Advogado, é mestre em Direito pela PUC-SP