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Opinião|Relevância dos dividendos

Quando a empresa gera resultados acima do esperado, acima de suas necessidades de expansão, é natural que os acionistas defendam que o excedente lhes seja pago sob a forma de dividendos extras

Por Roberto Teixeira da Costa

O tema política de dividendos vem ocupando espaço importante na nossa imprensa em razão de a Petrobras não ter proposto o pagamento de dividendo extra sobre o exercício de 2023, conforme comunicado enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 22/3/2024.

Antes de nos atermos ao caso específico, creio que valeria a pena olhar a questão dos dividendos no contexto histórico como parte da política de governança das sociedades abertas. Como lembrei em artigo publicado pelo Estadão sobre o papel do conselho de administração, alertei que uma das funções mais importantes daquele colegiado seria certamente a definição da política de dividendos.

Recordo, ainda, que um dos importantes artigos da reforma da Lei das Sociedades Anônimas (n.º 6.404 de 1976) alterou substancialmente o relacionamento das sociedades abertas com seus acionistas minoritários. Estipulava que a sociedade de capital aberto deveria destinar ao menos 25% do seu lucro líquido, após as reservas obrigatórias, sob a forma de dividendos. Essa cláusula, defendida com muita ênfase por Lamy e Bulhões Pedreira, foi de suma importância para que os investidores de ações adquirissem a consciência de que a rentabilidade das empresas era fundamental para propiciar a repartição do lucro entre os acionistas. A grande especulação que caracterizou o mercado entre 1971 e 1979 deixou claro que a maioria dos investidores que ingressavam no mercado não tinha nenhuma percepção do risco assumido e não olhava a geração de lucros ao longo do tempo como fator determinante de sua decisão de investir, e sim a valorização das ações na bolsa de modo especulativo.

Outro ponto ainda mais polêmico, e que foi objeto de muita controvérsia, foi a faculdade das empresas de aumentarem de 50% para 66% o montante de ações preferenciais que poderiam emitir. A então Bolsa do Rio fez enorme campanha contra, e somente anos mais tarde, com a criação do Novo Mercado, a situação foi mitigada.

Voltando aos anos 70, foi uma febre especulativa que deixou tristes resultados, mas, entre os fatos positivos, tornou evidente a necessidade da revisão da Lei das Sociedades Anônimas (Decreto-lei 2.627 de 1940), que se mostrara totalmente desalinhada com a proteção dos minoritários e, também, não oferecia novos instrumentos para nossas empresas usarem na captação da poupança privada para seus planos de expansão de capital de giro. Também a criação de um órgão especializado para substituir as funções do Banco Central no mercado se tornou óbvia – daí a criação da Comissão de Valores Mobiliários.

Quando, em 1958, iniciei no mercado de capitais, a negociação de ações era feita por vendedores autônomos, formando assim a base do capitalismo popular, e o pagamento de dividendos preferenciais foi a resposta encontrada. Não havia a chamada educação financeira. Como exemplo, lembro-me de que formávamos vendedores para mostrar as vantagens das ações vis a vis a compra de imóveis, que era a forma predileta de aplicação de poupança. Em seus lançamentos, a Deltec oferecia nas ações o dividendo preferencial de 12%, mas sem direito de voto. Esses dividendos das ações preferenciais (as ações ordinárias só poderiam ser remuneradas após os dividendos pagos ao preferencial), em alguns casos, podiam ser cumulativos.

Voltando aos dias atuais, a característica das preferenciais foi alterada e o Novo Mercado passou a exigir que ofertas de ações fossem com ação votante, e assim a política de dividendos adquiriu maior relevância.

Quando a empresa gera resultados acima do esperado, acima de suas necessidades de expansão, é natural que os acionistas defendam que o excedente lhes seja pago sob a forma de dividendos extras.

Não estou me referindo ao caso da Petrobras, mas lembro bem que os minoritários argumentavam que esse excedente lhes deveria ser atribuído. A preocupação é que o excesso de caixa estimularia, como em muitos casos do passado, que seus diretores, apoiados pelo conselho de administração, optassem por diversificações não alinhadas aos objetivos sociais. Os minoritários acreditavam que poderiam dar melhor destinação aos recursos excedentes.

O caso da Petrobras, assim como de outras grandes empresas petrolíferas, é bem complexo. Se, de um lado, não podem abrir mão, ao menos no curto prazo, da exploração do petróleo, sua razão de ser; do outro, devem estar atentos a outras fontes de energia que gradualmente vêm ocupando papel importante na matriz energética do País.

Apesar das críticas fundamentadas ao potencial poluidor do petróleo, devem estar atentos às oportunidades. Se não o fizerem, correm o risco de perder sua fatia de mercado mundial no campo de energia.

No caso específico, a intervenção indevida do presidente da República influenciando a diretoria da empresa a não realizar a distribuição de dividendos extras, por razões que não ficaram claras, gerou inseguranças e preocupações sobre a interferência estatal.

Eu havia deixado claro, no mencionado artigo sobre conselhos de administração, que um acionista, por maior que seja o seu poder de voto, tem de olhar o interesse da companhia, e não seus interesses específicos.

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ECONOMISTA, É CONSELHEIRO EMÉRITO DO CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS (CEBRI) E DO CONSELHO EMPRESARIAL DA AMÉRICA LATINA (CEAL)

Opinião por Roberto Teixeira da Costa

Economista, é conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal)