O povo brasileiro está sendo levado a cair na mesma armadilha que transformou a Constituição cidadã de 1988, pensada, e não consumada, para o sistema parlamentarista de governo, em mais uma crise do sistema presidencialista. A polarização política, que já impediu o País de consolidar o Estado Democrático de Direito nos dois últimos períodos democráticos, de 1946 e 1988, hoje pretendida pelo presidente Jair Bolsonaro e do interesse do ex-presidente Lula da Silva, poderá resultar em ruptura institucional, que não interessa ao povo brasileiro.
É preciso retomar os fundamentos do maior movimento cívico que levou o Brasil à Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 e ao mais longo período das liberdades democráticas. Os dois pré-candidatos, vencendo ou perdendo, afastarão mais ainda a possibilidade política de engendrar uma solução de progresso institucional, econômico, ambiental e social para o País. Basta relembrar o passado para essa constatação.
Em 1964, depois de um interregno parlamentarista que salvou o País da crise institucional, com os primeiros-ministros Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima, o plebiscito vencido pelo presidencialismo do vice-presidente João Goulart levou o País à ruptura institucional, que perdurou por longos 21 anos, com os retrocessos que até hoje remanescem e aprofundaram as distorções do principal princípio da democracia representativa, o de um eleitor, um voto. Até hoje há brasileiros cujo voto vale mais ou menos por estarem em um ou outro Estado da Federação, assim como outros retrocessos indesejáveis do famigerado “pacote de Abril” da ditadura militar.
A polarização política, mesmo após a reconquista do Estado Democrático de Direito, com a Constituição cidadã, resultou na criação de maiorias eventuais com deputados federais sem princípios e compromissos com o povo e apenas com chicanas parlamentares que envergonham os próprios eleitores e afastam a soberania popular do exercício do poder para a solução dos problemas da Nação. Enquanto isso, estão prontos a apoiar qualquer um que vença o embate polarizado para se manterem com o poder de emendas em orçamento secreto e outras artimanhas.
É chegada, e até já passou, a hora de acabar com este estado de coisas antidemocrático, que só interessa aos que alimentam minorias ávidas de destruir a soberania popular e estabelecer novos sistemas autocráticos, adiando as reais soluções para os problemas que atingem o povo brasileiro. O presidencialismo, nas conjunturas políticas geradas na sociedade brasileira, só tem causado crises, e não soluções. Os partidos políticos, mesmo desmoralizados por aqueles mesmos que elegeram e não respeitam a soberania do voto popular, precisam se tomar em brios e apresentar uma emenda constitucional para a implantação do sistema parlamentar de governo como pressuposto para a realização das eleições até se possível em 2022.
Consultando os programas de governo obrigatórios dos 33 partidos políticos hoje registrados pelo Tribunal Superior Eleitoral verifica-se que quase todos apresentam viés social-democrata ou liberal e não raros propõem o parlamentarismo como sistema de governo. O PSDB, por exemplo, no próprio Manifesto ao Povo Brasileiro de sua fundação propõe como um dos seus principais objetivos a adoção do sistema parlamentarista de governo. Portanto, antes até da definição e constituição de frentes políticas para disputar a Presidência da República, urge que lancem uma frente política pela adoção imediata do sistema parlamentar de governo.
Com a instituição do voto distrital, que barateia o custo das campanhas eleitorais para os partidos e os candidatos e aproxima o eleitor do deputado eleito. O que é fundamental para garantir a perenidade do próprio sistema parlamentar de governo com a certeza de que os programas de governo serão cumpridos, sob pena de mudanças dos Gabinetes de governo, sem crises institucionais como as do presidencialismo, que muitas vezes ameaçam até a democracia representativa com intervenções militares.
Em eleição sob o parlamentarismo teremos um presidente da República dentre os melhores brasileiros, muitos hoje afastados das lides partidárias pela desqualificação da própria política como solução para os problemas nacionais. Exercerá o poder moderador na política e indicará o melhor nome viável para primeiro-ministro do Gabinete para governar o País com um Parlamento constituído pelos melhores políticos que o Brasil sempre teve, muitos dos quais também se negando a participar dos conflitos provocados pelo presidencialismo familiar ou dos amigos.
O plebiscito de 1993 previsto pela Constituição de 1988 decidiu pela forma de República e pelo sistema presidencialista sem detalhar ao eleitor qual seria o parlamentarismo. Agora é preciso que a emenda constitucional do novo plebiscito defina o sistema parlamentar de governo. Até mesmo com relação ao voto distrital. Assim, ainda que não possa ser adotado já em 2022, os brasileiros saberão quais partidos e candidatos são contrários à armadilha da polarização presidencialista em curso.
JORNALISTA E ESCRITOR