O transporte movido a combustível fóssil gera 61% das emissões de gases venenosos causadores do efeito estufa na cidade de São Paulo. Outros 31% derivam da energia estacionária e 8% dos resíduos sólidos.
O principal vilão tem de ser combatido a partir da descarbonização da frota de ônibus: são 13.300 coletivos, quase todos movidos a óleo diesel, o mais nocivo nutriente veicular. Para isso, a Prefeitura adotou postura correta, anunciando a eletrificação gradual dos ônibus. A intenção de oferecer mais 2.600 ônibus elétricos à capital, até o final de 2024, encontrou empecilhos de ordem burocrática e também surpresas da concessionária de energia elétrica, além de entraves postos por excessiva preocupação com a segurança veicular. Mas o propósito do prefeito Ricardo Nunes é correto e perseverante. Foi por isso que esteve com o governador Tarcísio de Freitas no encontro com o presidente da República, reafirmando a política de descarbonização da maior cidade brasileira, exemplo para todas as demais. Acordou-se que mais ônibus elétricos deverão entrar em circulação, com a celeridade que o processo permitir.
Esse empenho do prefeito é reconhecido internacionalmente. Foi por isso que o papa Francisco o chamou, junto com outros executivos do mundo, para ouvir os projetos paulistanos em benefício da qualidade de vida, indissoluvelmente vinculada às emergências climáticas. Estas são geradas pelo aquecimento global, alimentado pela emissão dos gases causadores do efeito estufa.
A municipalidade também se comprometeu com organismos internacionais a liderar essa corrente do bem, para poupar vidas humanas, ameaçadas e levadas a termo pela excessiva poluição resultante de milhões de veículos que circulam no maior centro nervoso da América Latina.
Tudo isso não pode reverter em nefasto retrocesso, se vier a ser aprovado o Projeto de Lei 825/2024, que é um lamentável equívoco. Propõe a prorrogação do prazo para a descarbonização dos ônibus, sob argumento de que a aquisição de créditos de carbono compensará a continuidade da emissão de venenos.
É uma falácia que não pode prosperar. A política do crédito de carbono ainda é embrionária. Demorou muito tempo para ser apreciada pelo Congresso. Levará alguns anos para ser implementada. E parte de um paradoxo: adquirir créditos de carbono já sinaliza a falência da precaução e da prevenção, que é deixar de emitir. Comprar créditos de carbono equivale ao mau uso do princípio “poluidor-pagador”. Ou seja: agentes que não querem aderir ao ambientalismo adequado e irreversível, tamanha a gravidade do quadro presente, com as temperaturas subindo a índices nunca dantes registrados, na verdade “pagam para poluir”. Fica mais barato aderir ao pagamento de multas irrisórias, verdadeiramente simbólicas e raramente recolhidas ao erário, do que se ajustar aos requisitos exigíveis ao não poluidor.
O sistema de saúde já evidenciou a chaga crescente das internações, dos abortos espontâneos, do agravamento de comorbidades como hipertensão, diabetes, problemas cardiovasculares e outras, em virtude da carga poluente dos automotores movidos a combustível fóssil.
Para os quase 13 milhões de habitantes desta megalópole, além dos milhões que nos visitam diuturnamente, é essencial a manutenção da boa política da descarbonização, que já acontece em outras grandes cidades mundiais e que substitui uma frota que envenena e contamina a atmosfera por uma silenciosa, emissão zero, que vai repercutir na qualidade do ar e incidir, diretamente, na saúde humana.
O avanço na eletrificação da frota de veículos leves tem sido registrado com muita esperança, pois o custo dos carros elétricos vem baixando e permitindo que novos adquirentes substituam os veículos poluidores por esses modernos e compatíveis com as melhores práticas de fornecer à cidade o meio de transporte que cumpra a sua missão e que não mate. A Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas tem como atribuição coordenar o Confrota, Comitê Gestor do Programa de Acompanhamento da Substituição de Frotas por Alternativas Mais Limpas, instituído pela Lei 14.933/2019, e é promissor o movimento de adesão à eletrificação, extremamente vantajosa por evidenciar incrível êxito na implementação de novas tecnologias. É que o mundo acordou para a seriedade do tema e se mostra inadmissível a marcha à ré que essa proposta representa.
No momento em que a academia, os cientistas, o terceiro setor, a Igreja, a sociedade civil se arregimentam para salvar o mundo, um retrocesso na política de descarbonização da quinta maior cidade global. A capital verde, vencedora de prêmios de certificação em resiliência, não pode se submeter a essa medida de evidente atraso.
Que prevaleça o bom senso e se retome o caminho já trilhado e em plena execução, inclusive com a eletrificação dos caminhões de coleta de lixo e a de outros grupos que já perceberam a urgência na missão de despoluir o ar paulistano. Acordemos e não permitamos esse passo atrás.
*
REITOR DA UNIREGISTRAL, DOCENTE DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNINOVE, É SECRETÁRIO-EXECUTIVO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS DE SÃO PAULO