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Opinião | Retrospectiva e perspectiva

Por Miguel Reale Júnior

Acusações graves de omissão dolosa da presidente diante da corrupção na Petrobrás, depois corroboradas por delações, constam da petição de impeachment; mas foram excluídas por despacho inicial de Eduardo Cunha, que para não justificar imputação a si mesmo por malfeitos praticados em mandato anterior apenas considerou fatos de responsabilidade de Dilma no ano de 2015. Restaram as afrontas ao Orçamento, igualmente sérias.

Esses crimes descritos na petição de impeachment não constituem mera questão contábil, pois têm imenso reflexo no cotidiano, em vista das consequências na economia: recessão, desemprego, falências, inflação.

O procurador do TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, em depoimento no Senado denominou a contabilidade oficial de “destrutiva”, porque “os efeitos na economia brasileira foram de destruição do ambiente econômico brasileiro, de destruição da qualidade das contas públicas brasileiras e levaram à perda do grau de investimento, levaram a um crescimento explosivo da dívida, levaram a um ambiente de desconfiança no futuro, em que empresários não investem, investidores não se arriscam, pessoas físicas não consomem, preferem guardar porque têm medo do amanhã, têm medo do desemprego”.

Ocorreu no Brasil irresponsável política fiscal eleitoreira: elevados gastos, desonerações inúteis de receitas tributárias e contenção do preço da eletricidade e dos derivados do petróleo levaram à queda brutal da receita e ao aumento das despesas. Sem dinheiro, o Tesouro, em vez de tomar medidas corretivas, aprofundou o erro, tomando dinheiro emprestado das instituições financeiras sob seu controle, em claras operações de crédito.

Estas operações de crédito são proibidas exatamente porque constituem expediente fácil para quebrar o equilíbrio fiscal e rolar dívida, sem nada conter. Daí a razão por que o Código Penal as incrimina (artigo 359 A) e a Lei do Impeachment as pune com a perda do cargo (artigo 11, item 3).

Em 2015 a farra da operação de crédito vedada continuou, em valores astronômicos, e não só com o Banco do Brasil, que financiou a benesse dos juros baixos da safra agrícola, a ser paga pelo Tesouro. Houve operações de crédito com o FGTS, o BNDES e a própria Caixa, somando tudo um valor superior a R$ 58 bilhões.

Esse frontal desrespeito ao equilíbrio fiscal, causador do desastre econômico em que o Brasil está mergulhado, foi precisamente desenhado não só pelo procurador do TCU, anteriormente lembrado, mas também por José Maurício Conti e Fábio Medina Osório, ouvidos pela comissão especial do impeachment no Senado.

Um quadro completo da mais absoluta irresponsabilidade no uso dos instrumentos orçamentário-financeiros foi traçado também no relatório do senador Antonio Anastasia, apresentado quarta última à Comissão Especial Processante do Impeachment no Senado Federal.

O senador Anastasia frisou, no relatório, ter-se tornado costume do governo Dilma valer-se das instituições bancárias oficiais para se financiar, dando como exemplo a dívida em dezembro de 2015 com o BNDES, de mais de R$ 21 bilhões, e o Banco do Brasil, de cerca de R$ 12 bilhões, por contratações ilegais de operações de crédito. Destaca o relator que o exercício de 2015 foi marcado pela repetição, se não pelo aprofundamento, de situações críticas verificadas em 2014.

Outro expediente, ressaltado pelo relator, foi a edição de decretos de suplementação de verba fora da meta fiscal, sem a devida autorização legislativa, fugindo dos limites fixados na Lei de Diretrizes Orçamentárias, expediente a que se recorreu em 2014 e em 2015. Essa conduta, vedada pelo artigo 167, V, da Constituição federal, está prevista como infração política nos artigos 10, item 4, e 11, item 2, da Lei do Impeachment. A presidente transformou decretos em medidas provisórias, dando-lhes força de lei.

No relatório, reconhecida a configuração de crimes de responsabilidade e a gravidade de seus efeitos, ante a grita irracional dos petistas acusando haver golpe o senador Anastasia se viu na obrigação de, ironicamente, observar ser impensável um golpe com transmissão direta pela TV, com ampla defesa e larga discussão por pessoas de diferentes matizes. Para Anastasia, o presidencialismo sem impeachment é ditadura, de vez ser o impeachment, nas palavras de Ruy Barbosa, apenas uma tímida possibilidade de responsabilização do presidente, visando a que este venha a ser punido pelo mau uso do exercício do poder.

Prevista a votação do relatório em plenário para a próxima quarta-feira, a presidente será afastada temporariamente por 180 dias. Areja-se, então, de imediato, o clima de sufocamento que vitima o País.

O desespero da população com Lula/Dilma e com a ditadura da propina cria expectativa positiva em face da saída da presidente. A mudança já será um alívio, mas do novo governo exigem-se também ministros dignos de respeito, com a adoção de medidas poucas e boas, urgentes e transparentes, definidoras de horizontes capazes de assegurar confiança para corresponder à ansiedade do instante.

Enquanto isso, Lula, os dirigentes do PT e a própria Dilma estarão a se preocupar com os procedimentos criminais instaurados. Lula, denunciado no STF por tentar impedir a delação de Cerveró, investigado como grande articulador da organização criminosa que promoveu, segundo o procurador-geral, o sofisticado assalto à Petrobrás e sujeito ainda a outros processos relativos ao sítio e ao tríplex; Dilma e seu advogado investigados conjuntamente com Lula por interferência no processo Lava Jato, isto é, por obstrução de justiça. Assim, devem gastar seu tempo agora em organizar sua defesa criminal.

A população, mesmo ressabiada, poderá, então, respirar desanuviada, à espera de dias melhores.

*Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e foi ministro da Justiça

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